A equiparação de vencimentos, vantagens, prerrogativas, garantias e impedimentos entre o cargo de Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União e o de Desembargador Federal. Observância obrigatória pelos Estados-membros.

 

Introdução:

Este artigo tem por objetivo se concentrar em uma das incertezas de atuação dos Tribunais de Contas, que é justamente a diferenciação entre as funções e regimes jurídicos dos ocupantes de cargos públicos que atuam neste importante órgão de controle externo, dando-se destaque para os Substitutos, os quais, dentre outras funções, substituem Ministros e Conselheiros titulares.

Alguns desses cargos possuem expressa previsão constitucional. Este é o caso dos seus membros (Ministros e Ministros-Substitutos no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU, bem como Conselheiros e Conselheiros-Substitutos na esfera estadual, qual seja: dos Tribunais de Contas dos diversos Estados-membros – TCE e do Distrito Federal). Também é o caso dos membros que atuam perante o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas.

Por outro lado, há um corpo de servidores efetivos, que atuam em conformidade com o regramento jurídico constitucional (art’s 39 a 41) e legal (estatuto jurídico dos servidores públicos, que possui peculiaridades a depender de cada esfera federativa: federal, estadual, distrital e municipal).

 

Distinção entre as funções dos exercentes de cargos nos Tribunais de Contas:

O cargo de Ministro do TCU possui previsão expressa no artigo 73 e parágrafos da Constituição da República. Há requisitos para a nomeação de seus ocupantes e formas de escolha.[1] Destaca-se, ademais, o regime jurídico a que se sujeitam os seus integrantes, o qual, de acordo com o parágrafo 3º do referido dispositivo dispõe que “os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça”. Logo, o regime jurídico é o mesmo daquele previsto para os membros do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Daí porque também são chamados ou conhecidos como “Magistrados de Contas”.

Da mesma forma que os Ministros do TCU, os Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais, por força do princípio da simetria previsto no artigo 75 da Constituição da República, possuem equiparação aos Desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça estaduais.

Com relação aos membros que atuam nos Ministérios Públicos junto aos Tribunais de Contas, por força do artigo 130 da Constituição Federal, são assegurados os mesmos direitos, vedações e forma de investidura que os demais membros do Ministério Público comum, seja federal, seja estadual.

Já o cargo de Ministro-Substituto do TCU encontra previsão no parágrafo 4° do artigo 73 da Lei Maior, verbis: “o auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.”

Inicialmente, é cabível uma crítica à nomenclatura adotada pela Constituição Federal de 1988, ao tratar o cargo de Ministro-Substituto como “Auditor”, assim como fez com o cargo de Desembargador Federal, ao qual denomina “Juiz” do Tribunal Regional Federal. Crítica idêntica se faz aos Estados-membros, eis que o nomen iuris mais adequado ao cargo seria o de Conselheiro-Substituto, e não o de Auditor.

Deve-se enfatizar que o cargo de Ministro-Substituto do TCU detém ossatura constitucional, sendo indispensável a sua atuação para o bom funcionamento daquele órgão. Nesse sentido, é válido citar trecho do excepcional voto proferido pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmén Lúcia, quando do julgamento da ADI 4.541/BA:

“18. O cargo de auditor, antes relegado à disciplina infraconstitucional, foi alçado ao plano constitucional. O tratamento legal e regimental então existente foi aproveitado pelo constituinte originário, que reconheceu e ampliou a importância do cargo de auditor, atribuindo-lhe, por disposição constitucional expressa, a substituição de Ministros e a prática de atos inerentes à judicatura, conferindo-lhe garantias e prerrogativas próprias da magistratura e permitindo-lhe a ascensão ao cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União. Trata-se, pois, de cargo de natureza especial, distinto dos demais cargos que compõem a estrutura administrativa do Tribunal de Contas da União e que passou a dispor de tratamento constitucional específico.”

Em primeiro lugar, destaca-se a distinção entre os cargos de Ministro-Substituto, denominado pelo Constituinte como “Auditor”, e os cargos que compõem a estrutura administrativa do TCU. Explica-se.

Em geral, é comum encontrar, nas leis e atos normativos que regulamentam a estrutura administrativa – tanto do Tribunal de Contas da União como dos Tribunais de Contas estaduais – o cargo de “Auditor de Controle Externo”, que não se assemelha – ou se equipara – ao cargo de “Ministro-Substituto” ou “Conselheiro-Substituto”.[2]

O cargo de “Auditor de Controle Externo” se submete ao regime jurídico restrito aos servidores públicos, previsto nos artigos 37 e seguintes da Constituição da República. Já o cargo de “Auditor” (leia-se “Ministro-Substituto” e “Conselheiro-Substituto”) possui previsão expressa no parágrafo 4º do artigo 73 da nossa Lei Maior, com regime jurídico equiparável ao de Juiz de Tribunal Regional Federal (para o cargo de Ministro-Substituto do TCU) ou equiparável ao juiz de direito da mais alta entrância do Tribunal de Justiça respectivo (para o cargo de Conselheiro-Substituto dos Tribunais de Contas estaduais e distrital).[3]

Em segundo lugar, chama a atenção que, além da equiparação das garantias e impedimentos do Ministro-Substituto do TCU a Desembargador Federal, como já mencionado acima, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o artigo 73, §4º, da Constituição Federal conferiu interpretação no sentido de que o referido cargo de Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União detém idênticas prerrogativas da magistratura.

 

Equiparação de regimes jurídicos:

Fato outro que se mostra importante trazer à colação é a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal quanto à equiparação de vantagens e de vencimentos do Ministro-Substituto do TCU ao mesmo regime aplicável ao cargo de Desembargador Federal.

O Procurador-Geral da República ajuizou diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI´s, objetivando afastar a equiparação de vencimentos e vantagens de Ministros-Substitutos do Tribunal de Contas da União e de Conselheiros-Substitutos dos estados aos membros da magistratura. Tais ações não prosperaram, uma vez que a interpretação conferida ao artigo 73, §4º, da Lei Maior foi, justamente, a de que existe equiparação entre magistrados e membros dos Tribunais de Contas, em conformidade com o voto proferido, na ADI 6.941/SC, pelo Ministro Alexandre de Moraes, acerca do tema.

“Assim, a Constituição da República, ao outorgar aos Auditores, no exercício das atribuições próprias do cargo, as mesmas garantias e impedimentos dos Juízes de Tribunal Regional Federal (CF, art. 73, § 4º), reforça a já referida noção de correspondência do modo de trabalhar do TCU em relação ao STJ. Observe-se, para tanto, que os Auditores são os substitutos eventuais dos Ministros do TCU da mesma maneira que os Juízes do TRF são convocados para, em caráter eventual, substituir os Ministros do STJ, nos termos do art. 56 do Regimento Interno dessa Alta Corte de Justiça.

Todas essas considerações me levam a compreender que a equiparação de garantias, prevista pela Constituição Federal em relação à categoria de Auditor quando do exercício das demais funções de judicatura, inclui a remuneração.

(…) Considerada a obrigatoriedade, pelos Estados e pelo Distrito Federal, de adotar o modelo federal de organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas, o cargo de Auditor no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina reveste-se das mesmas características e tem essencialmente as mesmas atribuições do seu similar na esfera do Tribunal de Contas da União (…)

Cumpre destacar, ainda, trechos da memorável decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, quando do julgamento da ADI 6.939/GO, a saber:

“30. Por mais que o art. 73, §4º da CF não mencione expressamente que os auditores perceberão os mesmos vencimentos, e diga apenas que terão as mesmas garantias de juiz de Tribunal Regional Federal, não se deve afastar a possibilidade de paridade remuneratória nessa hipótese.

(…)

32. Com efeito, a melhor interpretação é aquela de acordo com a qual a manutenção do padrão remuneratório é uma garantia de independência no exercício da judicatura, que foi tratada expressamente pelo legislador constituinte. A Constituição estabelece a modelagem dos tribunais de contas em geral e os contornos da carreira de auditor, especificamente. Ela reconhece que os auditores exercem atividade judicante e lhes assegura garantias da magistratura, que são a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

 

Não é demais repisar que a relação entre Ministros e Ministros-Substitutos do Tribunal de Contas da União é a mesma travada entre Conselheiros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas dos Estados-membros, por força do princípio da simetria disposto no art. 75 da Constituição da República.

Acrescente-se que o Excelso Pretório delineou perfeitamente a obrigatoriedade da referida simetria entre o protótipo federal e o modelo dos Estados-membros. Confira-se trecho da já citada ADI 6.939/GO:

“Considerada a obrigatoriedade, pelos Estados e pelo Distrito Federal, de adotar o modelo federal de organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas, o cargo de Auditor no âmbito do Tribunal de Contas do Estado reveste-se das mesmas características e tem essencialmente as mesmas atribuições do seu similar na esfera do Tribunal de Contas da União, como revela o exame das normas locais pertinentes, que encontram correspondência nos já transcritos art. 73, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, art. 78, parágrafo único, da Lei Orgânica do TCU, e art. 55 do Regimento Interno da Corte Federal de Contas.”

Dessa forma, é evidente – e outra interpretação não poderia ser dada pelo Supremo Tribunal Federal – que se encontra presente a equiparação de garantias, vencimentos, vantagens, prerrogativas e impedimentos dos Ministros-Substitutos do Tribunal de Contas da União e dos Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas dos Estados-membros com, respectivamente, os Desembargadores Federais e Juízes de Direito dos Estados e do Distrito Federal da mais elevada entrância.

Consequentemente, não há que se falar em necessidade de haver expressa previsão, em legislação estadual ou distrital, no sentido de conferir aos Conselheiros-Substitutos equiparação de vencimentos, prerrogativas e vantagens à magistratura, uma vez que o modelo federal é de observância obrigatória.

 

Conclusão:

O presente artigo objetivou esclarecer as distinções de funções e de atribuições dos ocupantes dos diversos cargos incluídos na estrutura dos Tribunais de Contas.

Da mesma forma, procurou destacar os regimes jurídicos aplicáveis a cada cargo. Em sendo assim, aos Ministros e Conselheiros titulares das Cortes de Contas, bem como aos respectivos Substitutos, é assegurada a equiparação com a magistratura. Aos membros que atuam perante o Ministério Público de Contas, os mesmos direitos, vedações e forma de investidura que os demais membros do Ministério Público comum.

A qualquer outro cargo integrante da estrutura administrativa dos Tribunais de Contas, independentemente de seu nomen iuris, aplica-se o regime jurídico geral dos servidores públicos.

Destacou-se, ademais, que, com relação aos Ministros-Substitutos e Conselheiros-Substitutos, de acordo com construção pretoriana do Supremo Tribunal Federal, são estendidos, além das garantias e impedimentos, os mesmos vencimentos, vantagens e prerrogativas da magistratura.

[1] Os referidos requisitos podem ser verificados nos parágrafos 1º e 2º do artigo 73 da CF/88.

[2] A título de exemplo, o artigo 4º da Lei federal nº 11.950/2009, que altera dispositivos do Plano de Carreira do TCU, dispõe que: “os cargos de Analista de Controle Externo e Técnico de Controle Externo da Carreira de Especialista do Tribunal de Contas da União passam a ter, respectivamente, a denominação de Auditor Federal de Controle Externo e Técnico Federal de Controle Externo”.

[3] A título de exemplo, tem-se a referida previsão no parágrafo 4º do artigo 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro: Art. 128. L.1 § 4º O auditor, quando em substituição a Conselheiro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de direito da mais alta entrância.

 

Referências:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4.541/BA, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Plenário, DJ Nr. 160 do dia 12/08/2021.

. ADI 6.941/SC, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Plenário, DJ Nr. 185 do dia 16/09/2022.

. ADI 6.939/GO, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, Plenário, DJ Nr. 187 do dia 20/09/2022.

 

Francesco Carlo Retondaro Marino é advogado pós-graduado em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense – UFF.

* Artigo publicado originalmente na Revista In Verbis do Instituto dos Magistrados do Brasil – IMB.