Dando prosseguimento a artigos anteriores, nos quais comentei aspectos inovadores, importantes e interessantes da nova lei nacional de licitações e contratos – NLL, a Lei 14.133/2021, hoje abordarei um tema que me é muito caro: a acessibilidade.
Parece que foi ontem, mas faz 38 anos que organizei, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o primeiro grande ciclo de debates públicos naquela cidade sobre acessibilidade e outras lutas importantes para a vida independente e o exercício da plena cidadania pelas pessoas com deficiências. Daquela intensa semana, surgiram várias proposições legislativas e intervenções nas políticas públicas de educação, saúde, transportes, urbanismo, entre outras, que trouxeram melhorias significativas na qualidade de vida de diversos segmentos. Mais importante: surgiu uma articulação entre os vários movimentos que conduziu posteriormente à elaboração de uma emenda de iniciativa popular à Assembleia Constituinte fluminense, instituindo, de forma pioneira, no Título relativo à Ordem Social, um capítulo dedicado aos direitos das pessoas com deficiências. Tive a honra de participar de sua aprovação, como Vice-Relator Geral da Constituinte do RJ.
Então, essa é uma causa que não me é nova e sempre me acompanhou em diversas situações profissionais.
Para que o leitor tenha clareza, o conceito legal de acessibilidade é definido no art. 2º da Lei n.º 10.098/2000, como a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. Quem já teve a experiência de utilizar ou acompanhar alguém com cadeira de rodas, ou mesmo um carrinho de bebê, conheceu as múltiplas barreiras arquitetônicas e obstáculos de toda espécie existentes nas nossas calçadas, vias públicas e mesmo em escolas e repartições governamentais.
Como auditor federal de controle externo do TCU, cargo que exerci, por aprovação em concurso público, de 1996 a 2009, apresentei um trabalho no Simpósio Nacional de Obras Públicas realizado em 2006, classificando o respeito à acessibilidade como requisito da legalidade, legitimidade e economicidade das obras e edificações públicas. Na conclusão, propus que os Tribunais de Contas brasileiros incluíssem a verificação de conformidade a padrões de acessibilidade em suas matrizes de planejamento e de procedimentos de auditorias, inclusive na fiscalização de convênios e termos de parcerias. Diversos TCs adotaram a proposta.
Destaco que a legislação anterior que regulava as licitações e contratos, inclusive de obras e edificações públicas, a Lei 8.666/1993 ignorava o tema da acessibilidade, com exceção de um dispositivo, introduzido em 2015 que previu como critério de desempate entre licitantes preferência para empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência e atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.
Assim, foi com muita alegria que vimos que a NLL é absolutamente clara ao expressar, no seu art. 45, inciso VI, que as licitações de obras e serviços de engenharia devem respeitar, especialmente, as normas relativas a acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Ademais, todos os anteprojetos de obras e edificações públicas a serem licitados devem conter parâmetros de adequação ao interesse público, de economia na utilização, de facilidade na execução, de impacto ambiental e de acessibilidade (art. 6º, XXIV, letra e).
Finalmente, recordo que desde 2015 é considerado ato de improbidade administrativa deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação
Dessa forma, pode-se prever que a correta aplicação da NLL trará impactos bastante positivos para a vida das pessoas com deficiências, cabendo aos órgãos de controle interno e externo fiscalizar de forma efetiva o seu cumprimento.
Luiz Henrique Lima é Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT.