Há uma obstinada resistência a uma composição e atuação com maior conteúdo técnico nos tribunais de contas

 

 
Em janeiro de 1918, o presidente Wenceslau Braz sancionou a Lei 3.454, que fixou a “Despeza Geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1918”.
 
A leitura da norma é muito interessante sob os aspectos histórico, jurídico, financeiro e político.
 
É curioso assinalar que, apesar das diferenças na ortografia oficial e na técnica legislativa, alguns temas ainda hoje críticos na administração pública brasileira já eram objeto de dispositivos legais, nem sempre cumpridos.
 
Destaco especialmente o artigo 162, cujo inciso XXVII, parágrafo segundo, letra b) criou na organização administrativa pátria o cargo de Auditor do Tribunal de Contas, com a competência de relatar os processos de contas perante a Câmara de Julgamento, além de substituir os Ministros em suas faltas e impedimentos.
 
Essa norma é a origem dos atuais cargos de ministros substitutos do TCU e conselheiros substitutos dos TCs, cuja importância foi expressamente destacada 70 anos depois na Constituição Cidadã de 1988.
 
Assim, desde a centenária criação do cargo, os membros substitutos dos TCs possuem atribuições de judicatura e lhes são exigidos profundos conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e de gestão pública.
 
Também desde a origem, os então denominados auditores não se confundiam com o corpo instrutivo do Tribunal, composto na época pelos “escripturarios”, função hoje desempenhada pelos auditores e técnicos de controle externo.
 
É impressionante constatar que até os dias atuais existem Cortes de Contas cuja composição, organização e funcionamento encontra-se em flagrante dissonância com as normas constitucionais, com a jurisprudência do STF e, inclusive, com as centenárias disposições da Lei 3.454/1918!
 
Há TCs que até hoje não criaram e nem proveram os cargos de conselheiro substituto; há alguns que o fizeram, mas não lhes conferem a relatoria de processos; há um que atribui aos Conselheiros titulares o poder de designar servidores para atuar como Substitutos em total desobediência à exigência de concurso público específico…
 
Isso sem falar em numerosas outras situações do cotidiano, como estruturas regimentais e administrativas orientadas para colocar em posição de subalternidade os titulares de cargos que, por força de suas prerrogativas, não devem subordinação hierárquica a ninguém e são vitalícios desde a posse.
 
E também sem mencionar os diversos TCs que nos 30 anos de vigência da Carta de 1988 nunca cumpriram a determinação de selecionar Conselheiros a partir de listas tríplices de integrantes das carreiras concursadas de conselheiros substitutos e procuradores de Contas.
 
Enfim, observa-se uma obstinada resistência a uma composição e atuação com maior conteúdo técnico nos órgãos de controle.
 
Apesar disso, os 126 conselheiros e conselheiras substitutos que atuam nos 33 TCs brasileiros têm desempenhado um extraordinário papel no aprimoramento do controle externo brasileiro, contribuindo para a detecção de fraudes, correção de rumos e melhoria dos resultados das políticas públicas.
 
Sua qualificação acadêmica tem sido determinante para a modernização dos procedimentos de fiscalização e a evolução jurisprudencial dos órgãos de controle, cada vez mais concentrados em atuações preventivas e de orientação aos gestores públicos.
 
Em algumas situações de grave crise institucional em que houve determinação judicial de afastamento da maioria dos membros titulares, são os conselheiros substitutos que têm assegurado o cumprimento da missão constitucional dos TCs, uma vez que não há democracia sem controle externo e independente da administração pública.
 
Assim, parabéns aos colegas ministros e conselheiros substitutos, em exercício ou aposentados, pela passagem do primeiro centenário de tão relevante cargo republicano.
 
Nossa homenagem aos pioneiros que o exerceram com dignidade ao longo desse período e nossa esperança de que possamos merecer o reconhecimento pela sociedade brasileira de nossa capacidade de construir o futuro do controle externo.
 
LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).