Não é de hoje que existe confusão entre os conceitos de sobrepreço e superfaturamento envolvendo contratações da administração pública. Nas aulas de pós-graduação que ministro, essa é uma dúvida frequente e já tive a oportunidade de observar o mau emprego desses vocábulos em matérias jornalísticas e até mesmo em decisões e peças jurídicas.
A Lei 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos, ou NLL, trouxe, em seu art. 6º, elementos que auxiliam a esclarecer o tema.
O sobrepreço é definido como o preço orçado para licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, empreitada por preço global ou empreitada integral, semi-integrada ou integrada.
Desta forma, o sobrepreço se caracteriza no momento de orçar uma licitação ou efetuar uma contratação, ainda que não haja nenhum dispêndio efetivo e, por conseguinte, nenhum dano ao erário.
A dificuldade do intérprete reside na compreensão do que é “valor expressivamente superior”, bem como no dimensionamento do mercado no qual serão apurados os preços referenciais. De modo geral, em tempos de normalidade, três fatores devem ser considerados na análise de um preço pago pela Administração Pública, para efeito de caracterização de sobrepreço:
- a) o momento temporal em que a aquisição é realizada;
- b) a quantidade de bens ou serviços objeto da contratação (economia de escala); e
- c) as condicionantes logísticas que afetam a entrega do bem ou serviço pelo contratado ao contratante. Todas essas variáveis são maximizadas em situações de calamidade pública como, por exemplo, na área da saúde, quando, no intervalo de poucos dias, pode ocorrer aumento na demanda de determinados insumos ou equipamentos e desabastecimento de outros, gerando significativas flutuações nos preços de referência.
Por sua vez, o superfaturamento é conceituado na NLL como o dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por:
- a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas;
- b) deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança;
- c) alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; e
- d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços.
As hipóteses elencadas são exemplificativas, podendo existir outros casos de superfaturamento, desde que configurado dano ao erário. Naturalmente, a execução de um contrato com sobrepreço implica em modalidade de superfaturamento.
A prevenção do sobrepreço deve inicialmente ocorrer na etapa preparatória da licitação, quando são elaborados os orçamentos e também quando é estimada a quantidade dos itens e serviços suficientes para atender o objeto almejado. A seguir, tal controle deve ser feito no julgamento das propostas apresentadas deve ser verificada sua compatibilidade com os preços do mercado.
Quanto ao superfaturamento, evitá-lo é uma das principais atribuições dos responsáveis pela fiscalização da execução contratual e pela aprovação e celebração das alterações contratuais. Frequentemente, o contrato original não apresenta falhas ou vícios, que surgem por ocasião de uma execução defeituosa ou na formalização de aditivos, revisões e repactuação de valores.
A boa gestão de licitações e contratos é fundamental não apenas para evitar irregularidades e desperdício na aplicação dos recursos públicos, mas também para assegurar a boa execução das políticas públicas em benefício da coletividade. Por conseguinte, é fundamental que os gestores procurem investir na capacitação de suas equipes, especialmente agentes de contratação, fiscais de contrato, assessores jurídicos e controladores internos.
Luiz Henrique Lima é professor e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT.