Há poucos dias participei de uma teleconferência com dezenas de prefeitos de todas as regiões de Mato Grosso sobre os desafios da gestão municipal nesse momento de gravíssima emergência de saúde pública.
Minha missão era a de procurar esclarecer dúvidas acerca da interpretação de normas relativas à gestão fiscal e às licitações e contratações durante esse período.
É natural que surjam inúmeros questionamentos diante do ineditismo da situação e da dimensão dos problemas, que extrapolam a área da saúde e alcançam também a educação, a arrecadação tributária e a execução de políticas públicas de forma geral.
Com efeito, diante da realidade fática imposta pela pandemia da Covid-19 construiu-se um novo Direito Público, que alguns autores denominam Direito Público de Guerra, mas que prefiro chamar de Direito Público de Emergência. Esse novo Direito Público é composto, até o momento, pela Emenda Constitucional 106, pela Lei Complementar 173, pela Lei nacional 13.979, por diversas outras leis, medidas provisórias, decretos e portarias na esfera federal, bem como por centenas de normas legislativas emanadas pelos estados, Distrito Federal e municípios.
A isso importa acrescer, relevantes julgados do Supremo Tribunal Federal, inclusive em sede de controle de constitucionalidade, e de outros tribunais superiores, bem como dezenas de decisões de juízes estaduais e federais. De igual modo, o Tribunal de Contas da União e os demais TCs, emitiram medidas cautelares, notas e orientações técnicas enfrentando tanto casos específicos como situações mais genéricas.
O Direito Público de Emergência – DPE se espraia por múltiplos ramos da ciência jurídica: administrativo, financeiro, previdenciário etc. Envolve aspectos orçamentários, regulatórios e sancionatórios. Como em qualquer inovação normativa, alguns dos seus dispositivos podem ensejar distintas leituras até que a doutrina e a jurisprudência sedimentem um entendimento majoritário.
Disso tudo resulta a preocupação de muitos gestores, pressionados a produzirem rápidas respostas aos problemas criados ou agravados pela calamidade pública e ao mesmo tempo receosos de praticarem atos, ainda que bem intencionados, que possam futuramente lhes acarretar algum tipo de sanção.
Assim, adquire relevância o papel dos Tribunais de Contas em informar e orientar os agentes públicos quanto à nova realidade normativa, para que possam tomar as decisões adequadas nas suas respectivas esferas de responsabilidade.
Das inúmeras questões que foram formuladas, sobressaem alguns elementos principais, que talvez seja útil explicitar novamente aqui.
Primeiramente, cabe destacar que, em qualquer hipótese, mesmo na calamidade pública, devem ser observados os princípios constitucionais previstos no art. 37 para a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De igual modo, todas as despesas e renúncias de receitas devem atender os critérios da legalidade, legitimidade e economicidade.
Dito isso, a excepcionalidade da conjuntura flexibilizou consideravelmente as regras para contratações públicas, com novas hipóteses de dispensa de licitação, antecipação de pagamentos, prorrogações contratuais, entre outras. Da mesma forma, limites e condições que são exigências legais para uma gestão fiscal responsável tiveram os seus prazos suspensos. A margem de atuação dos gestores foi, assim, bastante ampliada, por exemplo, no que concerne à contração de dívidas para fazer face a despesas correntes.
Contudo, se por um lado o DPE compreendeu a necessidade de os gestores terem mais agilidade na execução das despesas, por outro reforçou a necessidade de ampliar a transparência quanto aos gastos realizados. Tudo deve ser divulgado de forma ampla, completa e imediata.
Outra questão diz respeito aos preços pagos por equipamentos, medicamentos ou serviços. Tem sido observada uma grande flutuação nos valores praticados, em parte devido a um fenômeno natural de um mercado econômico que reage a um quadro de calamidade e em parte pela intervenção de especuladores. Um mesmo medicamento ou insumo pode apresentar uma variação significativa no seu preço, de uma semana para outra, ou de acordo com o volume adquirido, ou conforme as condições logísticas de sua distribuição.
Tais circunstâncias ressaltam a necessidade de prudência por parte dos responsáveis pelas aquisições. A cotação de preços deve ser ampla e bem documentada. As aquisições devem atender às recomendações e especificações dos comitês médicos e científicos.
Em resumo, na emergência, há que redobrar transparência e prudência. O gestor diligente merecerá compreensão quanto às dificuldades objetivas enfrentadas no momento da tomada de decisões. Todavia, atitudes abusivas e ímprobas não podem ser toleradas.
Finalmente, expresso meu respeito a todos os que nesse momento se encontram na linha de frente do combate á pandemia e da assistência aos mais vulneráveis.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.