Por Tiago Cavalcanti*

Um aspecto frequentemente – subestimado nos debates sobre o avanço da qualidade da educação no Brasil está relacionado ao papel da gestão nas escolas públicas. Em geral, é difícil isolar de forma sistemática o impacto das práticas de gestão sobre o desempenho escolar dos alunos.

De acordo com o World Development Report de 2018 do Banco Mundial, o Brasil e vários países de renda média enfrentam uma crise de aprendizado. Em sua grande maioria, as crianças frequentam escolas, mas o aprendizado é sobremaneira baixo. Apesar do aumento real de 63% entre 2007 e 2019 no gasto médio por aluno do ensino fundamental nos municípios brasileiros, o desempenho dos alunos do país na prova do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de matemática, ciências e português não tem melhorado desde 2009.

A prova Pisa busca medir a capacidade dos jovens de 15 anos em aplicar os conhecimentos adquiridos até o final do primeiro ano do ensino médio. Para se ter uma ideia do desempenho relativo dos nossos alunos em relação aos estudantes dos países europeus da OCDE, um estudo de Francesco Avvisati e Pauline Givord, publicado no periódico especializado Labour Economics, com base nos dados do Pisa, mostra que um jovem brasileiro de 15 anos precisaria, em média, de mais 8 anos em uma escola nacional para, supostamente, atingir o nível de conhecimento de um jovem de 15 anos europeu.

Para compreendermos nosso desenvolvimento econômico e social, é fundamental entender onde estamos falhando na transformação de um maior investimento na educação em melhorias no aprendizado. Segundo o Ipea, o Brasil destina 6, 2% do seu PIB à educação como um todo, enquanto a média da OCDE é de 4, 9%. Se subtrairmos os gastos com Ensino Superior, a fração do PIB destinada a despesas com educação cai para 4%, ainda acima da média equivalente da OCDE, que é de 3, 4%.

Isso demonstra que o esforço de nossa sociedade em alocar recursos financeiros para a educação não é inferior ao de outros países. Portanto, é importante entender se há ou não espaço para aumentar a eficiência dos gastos em educação do nosso país, por meio de intervenções que possam melhorar de forma sistemática a gestão nas escolas públicas, com efeitos positivos no aprendizado dos estudantes e na formação de capital humano.

Isso é exatamente o que Felipe Puccioni busca responder no trabalho para seu PhD na Universidade de Cambridge, sob minha orientação acadêmica. Felipe elaborou uma pesquisa ambiciosa para identificar os impactos da melhoria na gestão das escolas públicas sobre o aprendizado dos alunos, utilizando o município do Rio de Janeiro como laboratório. Quarenta escolas públicas do ensino fundamental deste município foram selecionadas aleatoriamente para receber, durante dois anos, um programa focado na melhoria da gestão. Ele então compara o aprendizado dos estudantes nessas escolas selecionadas com o desempenho dos alunos em outras escolas públicas do município do Rio de Janeiro que não participaram do programa.

Mais especificamente, o objetivo do programa elaborado por Felipe é fornecer conhecimento, treinamento, incentivo e ferramentas para que diretores, vice-diretores e coordenadores pedagógicos aprimorem substancialmente as práticas de gestão de suas escolas. Para isso, o programa, intitulado Programa Ciência e Gestão pela Educação (PCGE), fundamenta-se nas melhores práticas de gestão definidas por especialistas e discutidas e avaliadas em diversos congressos e artigos acadêmicos.

Um ponto relevante do PCGE, que pode ser aplicado e estendido a outros municípios do país, é que, em vez de utilizar uma consultoria externa para implementar e monitorar a intervenção, o programa é executado por uma equipe interna de servidores do município do Rio de Janeiro. Uma parceria entre o Tribunal de Contas e a Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro foi assinada para que servidores das duas instituições fossem alocados para implementar o programa nas escolas. Os servidores foram treinados para atuar por dois anos fornecendo mentoria e treinamento em serviço sobre as melhores práticas de gestão aos gestores escolares das escolas selecionadas aleatoriamente.

O impacto do programa é bastante relevante e precisa ser divulgado. Em apenas dois anos, os alunos das escolas ‘tratadas’ aprenderam o equivalente ao que se aprende em um pouco mais de 3 anos nas escolas do Rio de Janeiro, em comparação com os estudantes das escolas que não participaram do programa. Ou seja, as escolas que receberam o apoio do programa foram 50% mais eficientes em melhorar o aprendizado de seus alunos em comparação com as escolas que permaneceram com o mesmo tipo de gestão anterior.

Apesar do programa se basear em 23 diferentes práticas de gestão que estão integradas, dois fatores foram fundamentais para melhorar o aprendizado dos alunos. Primeiro, o aprimoramento da capacidade dos gestores escolares em observar e monitorar docentes e turmas com base em dados de aprendizagem. O segundo fator foi o uso de reuniões individuais periódicas pelos gestores escolares para discutir com os professores o desempenho dos alunos. Assim, os gestores podem abordar com os professores as necessidades de cada turma e de cada aluno, diagnosticando problemas e procurando soluções.

Se os municípios brasileiros adotassem o PCGE, de acordo com a tese de Felipe, o Brasil poderia alcançar o mesmo nível de eficiência nos gastos com educação que países de renda alta, como França ou Estados Unidos, e atingir um desempenho na prova do Pisa semelhante ao observado no Chile. Além disso, com a eficiência atual, se gastássemos, por exemplo, 50% a mais por aluno, continuaríamos ainda abaixo do desempenho de outros países como o Chile.

A pesquisa do Felipe Puccioni evidencia, portanto, que o nosso problema educacional parece ser mais com a eficiência dos gastos públicos em educação do que com o valor gasto por estudante. O estudo também destaca como a pesquisa em economia e gestão é uma ferramenta crucial para apoiar e avaliar políticas públicas. Na verdade, a maioria das políticas econômicas e sociais, como nos setores educacionais e de crédito, deveria primeiro ser implementada em pequena escala experimental e sujeita a avaliação, permitindo ajustes para mitigar possíveis efeitos negativos, antes de serem aplicadas em larga escala.

“Nosso problema parece ser mais com a eficiência dos gastos públicos do que como valor gasto por estudante”

*Tiago Cavalcanti é professor titular de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP