O escândalo denominado “escolas fake” é exemplar em muitos sentidos e merece análise, não apenas pelos estudiosos do direito financeiro e da gestão pública, mas por todos os cidadãos brasileiros.
Em que consistem essas “escolas fakes”?
Essencialmente, o anúncio da liberação de recursos do orçamento da União, alocados mediante emendas parlamentares constantes da aberração alcunhada de “orçamento secreto”, destinados à construção de escolas por determinados municípios, que recebem as transferências federais nas suas contas correntes bancárias.
Por que essas escolas são chamadas de “fakes”?
Porque os valores liberados são irrisórios, absolutamente insuficientes sequer para colocar os tapumes e montar o barracão da obra. Um exemplo: em São Pedro do Piauí, foi comemorada a autorização para uma escola orçada em R$ 8 milhões, mas o valor efetivamente liberado foi de R$ 200 mil, ou 2,5% do total. Outro: em Altos, também no Piauí, foi celebrada uma creche, no valor de R$ 3,1 milhões, mas que só recebeu R$ 200 mil. Nesse município há duas obras inacabadas e sem recursos para conclusão. Já no município de Morrinhos-MG, a festa foi para uma escola rural de R$ 6,9 milhões, dos quais há disponibilidade de R$ 30 mil. Em Ubiratã-PR, a prefeitura recebeu R$ 5 mil destinados à construção de uma escola de R$ 3,2 milhões.
Pior, muito pior: não há previsão ou reserva de recursos adicionais para a construção/conclusão das unidades educacionais. Dos R$ 7,6 bilhões necessários, o FNDE dispõe de apenas R$ 114 milhões, conforme admitiu o seu presidente em depoimento na Comissão de Educação do Senado. Contudo, o anúncio irresponsável de “novos investimentos federais” pode eventualmente trazer vantagens político-eleitorais para os que se apresentam como “padrinhos” do embuste.
No total, já foram anunciadas 2 mil novas obras de escolas, creches e quadras, enquanto há cerca de 3,5 mil obras inacabadas.
As “escolas fake” configuram uma afronta à Constituição brasileira que determina que a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade (art. 165, par. 10).
O procedimento também atenta contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo art. 45 estabelece que a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os que estão em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público. Viola também o art. 16 da LRF que exige que a expansão da ação governamental, como é o caso de novas obras, somente ocorra quando estiverem assegurados recursos suficientes para a sua conclusão, mesmo que nos exercícios subsequentes.
Outro aspecto a ser considerado é que a construção de um novo equipamento público provocará despesas de caráter continuado. Assim, uma nova escola demandará gastos com professores e demais profissionais de educação, mobiliário, material didático, manutenção etc. Como dispõe o art. 17 da LRF, tais custos precisam ser estimados e devem estar assegurados os recursos necessários, seja mediante aumento da receita, seja mediante redução de outras despesas. Caso contrário, teremos apenas prédios, mas não escolas, pois não haverá mestres, livros e nem merenda.
As despesas que não atenderem tais condições serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público, conforme o art. 15 da LRF.
Logo, as “escolas fake” constituem um flagrante desrespeito às normas constitucionais e legais orçamentárias e de responsabilidade fiscal.
Um prefeito que pratique um único ato semelhante está sujeito a ter as suas contas julgadas irregulares e tornar-se inelegível por oito anos, além de responder ação por improbidade administrativa.
E quem pratica 2 mil desses atos? As “escolas fake” ficarão impunes? A Lei 1.079/1950 define como crime de responsabilidade os atos que atentam contra a lei orçamentária (art. 4, VI).
Luiz Henrique Lima é professor e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT.