O Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar 39/2020, que instituiu o Programa Federativo de Enfrentamento a Covid-19, altera a Lei de Responsabilidade Fiscal e dá outras providências. A proposição está sob exame da Presidência da República, que dispõe do prazo de até quinze dias úteis para sancioná-la, vetá-la parcial ou totalmente ou devolvê-la para que seja promulgada pelo próprio Legislativo.
O texto aprovado tem inegáveis méritos, especialmente o de determinar um significativo, embora não suficiente, repasse de recursos federais a estados e municípios que estão na linha de frente do combate à pandemia. Como já expus em artigos anteriores, estados e municípios em circunstâncias normais respondem por até 95% dos gastos com saúde básica, envolvendo UPAs e hospitais. Na emergência que o país enfrenta, a necessidade de expandir os gastos com aumento dos leitos de UTIs, aquisição de equipamentos e aplicação de testes, entre outros pressiona fortemente as finanças locais, cujas receitas sofrem acentuada queda em decorrência da redução da atividade econômica.
O Programa envolve auxílio financeiro no valor total de R$ 60 bilhões, sendo R$ 10 bilhões exclusivamente para ações de saúde e assistência social (R$ 7 bilhões para estados e R$ 3 bilhões para municípios) e R4 50 bilhões para utilização conforme as necessidades locais, sendo R$ 30 bilhões para estados e R$ 20 bilhões para municípios. O Distrito Federal, que não tem municípios, receberá R$ 154,6 milhões.
Os critérios  de distribuição desses recursos envolvem a taxa de incidência do coronavírus, a população residente, a arrecadação do ICMS e os coeficientes no FPE e no FEX. Os repasses devem ser feitos em quatro parcelas mensais. Releva sublinhar que nas aquisições de produtos e serviços será dada preferência às microempresas e às empresas de pequeno porte.
Os entes subnacionais também poderão utilizar recursos que seriam destinados ao pagamento de juros e parcelas de empréstimos contraídos com a União, com bancos públicos e com organismos multilaterais, nesse caso com aval da União. Tais operações ficam suspensas e sujeitas a renegociação. Por isso, o valor total do Programa é estimado em R$ 125 bilhões.
Outro ponto de extrema relevância da proposta diz respeito a alterações na LRF. Na realidade, foram afastadas e dispensadas, apenas enquanto durar o estado de calamidade pública e exclusivamente em relação aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao enfrentamento da pandemia, as disposições da LRF relativas à renúncia de receitas e à criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa, à criação e aumento de despesa obrigatória de caráter continuado e a limites e condições para a realização e recebimento de transferências voluntárias.
Ademais, no artigo 21 da LRF foram ampliadas as hipóteses de nulidade de atos de que resultem aumento da despesa de pessoal, inclusive nos casos em que se preveem parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final de mandato do titular de Poder ou órgão, prática nefasta que comprometeu a gestão fiscal de diversos estados e municípios. Por sua vez, no artigo 65, também foram acrescidas novas dispensas de limites, condições e vedações enquanto perdurar calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional. Por exemplo, são autorizadas a desvinculação da aplicação de recursos legalmente vinculados a finalidade específica; a captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços; bem como nos últimos dois quadrimestres do mandato, a contração de obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Algumas dessas hipóteses ensejam riscos expressivos.
Em todos os casos, permanecem vigentes as exigências relativas a transparência, controle e fiscalização.
Ainda, o Programa Federativo impôs condições aos entes federados como a vedação de reajustes ou aumentos remuneratórios a servidores e membros de Poderes, bem como a criação de cargos, a admissão de pessoal e a realização de concursos exceto para as reposições de vacâncias. Há ressalvas no que concerne a melhorias salariais para servidores das áreas de saúde, segurança pública e Forças Armadas.
Um ponto controverso da proposta e que exigirá muita atenção do controle e da sociedade é a possibilidade, prevista no § 2º do art. 9º, de suspensão do recolhimento das contribuições patronais aos regimes previdenciários municipais. Há justificado receio de que tal faculdade comprometa seriamente a sustentabilidade das previdências municipais a médio prazo.
Nos termos constitucionais, caberá ao TCU exercer o controle dos procedimentos do Tesouro Nacional ao efetuar os repasses. No que concerne à aplicação dos recursos por estados e municípios bem como à utilização das excepcionalidades na gestão fiscal, a competência fiscalizatória é dos respectivos Tribunais de Contas.
Os Tribunais de Contas brasileiros estão, portanto, diante de um desafio histórico que é o de fiscalizar, em benefício do povo brasileiro, a legalidade, a legitimidade e a economicidade na aplicação desses R$ 125 bilhões. É tempo de demonstrar sua capacidade e maturidade, atuando de forma independente, tempestiva, imparcial, preventiva e orientativa. Os brasileiros esperam e exigem que tais recursos sejam empregados com parcimônia, probidade e, principalmente, com efetividade em prol da saúde.
 
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.