Vivemos sob o fetiche do PIB.

Esse fetiche nos fascina, nos governa, nos ilude e nos atrasa. Esse fetiche perpassa diversas gerações, ideologias políticas, crenças religiosas e preferências clubísticas.

Como os dicionários definem a expressão fetiche?

  1. Fetiche: substantivo masculino, objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta a culto;
  2. Fetiche: objeto inanimado ou parte do corpo considerada como possuidora de qualidades mágicas ou eróticas.

Basta folhear as manchetes dos principais veículos de comunicação do país, em qualquer dia de qualquer semana, que lá encontraremos o “culto” a esse “objeto inanimado” ao qual se atribui “poder sobrenatural ou mágico”.

São especialistas que se debruçam sobre projeções do PIB futuro. São analistas que tentam explicar a trajetória do PIB passado. São líderes políticos procurando convencer a opinião pública que são mais capazes que outros “para fazer o PIB crescer”. São dirigentes empresariais impondo condições de investimentos, juros, produção e empregos em função do melhor ou pior desempenho do PIB.

E os títulos jornalísticos alimentam o grande fetiche. Há poucos dias um dos maiores jornais do país estampou na primeira página: “Ministro da Fazenda se encontra com o PIB para discutir reformas”. Pronto. O que era um mero conceito de contabilidade ou agregado macroeconômico encarnou, tornou-se um ser vivo que merece ocupar a agenda do ministro em “encontro”, de natureza pessoal, talvez até romântica… Sem esquecer uma antiga dirigente da República que certa vez declarou sonhar com “um Pibão bem grandão”.

Mas afinal de contas, o que é o Produto Interno Bruto – PIB?

De acordo com os melhores manuais da ciência econômica, o PIB define-se como a soma dos seguintes agregados: salários, juros líquidos pagos a indivíduos, aluguéis pagos a indivíduos, lucros distribuídos, depreciações, lucros retidos e ainda a renda líquida enviada ao exterior. Ou, de outra forma, o PIB é a soma do valor adicionado bruto de todas as unidades produtoras residentes em uma economia, acrescido dos impostos indiretos líquidos de subsídios. Assim, o PIB propicia o conhecimento do valor da riqueza produzida por determinado país em determinado período, possibilitando comparações e apreciações com os resultados de outros países e/ou de outros períodos.

E qual é o problema do PIB?

O problema não é o PIB, mas o que fazem com ele. Para a cacofonia de políticos, economistas, jornalistas etc., o PIB não é interpretado como é – um instrumento acessório de análise do desempenho econômico – mas fetichizado, como inquestionável medidor do sucesso ou fracasso da política econômica, automaticamente interpretado como sinalizador de desenvolvimento e, transcendentalmente, como indicador da potencial felicidade de um povo ou nação.

Ocorre que na composição desse indicador há distorções há muito apontadas pelos estudiosos. Cito três exemplos.

  1. Ao se derrubar uma floresta, o PIB cresce. Ao se preservar uma floresta, o PIB mão cresce.
  2. Ao internar a sua mãe, idosa e doente, numa clínica de repouso e ir visitá-la uma vez por mês, o PIB cresce. Agora, ao cuidar dos seus pais em casa, a assisti-los todos os dias, o PIB não cresce.
  3. Se as forças de segurança invadirem uma favela e três crianças negras morrerem atingidas por “balas perdidas”, o PIB cresce. Agora, se um grupo de voluntários comparecer nessa mesma favela e passar uma manhã lendo livros para as crianças ou ensiná-las a montar a sus própria pipa com o material que está ali disponível, o PIB não cresce.

Não é difícil perceber que, apesar de sua utilidade como ferramenta de análise econômica, o PIB está muito longe de ser um indicador de sucesso ou de progresso civilizatório, considerando as dimensões humana, social, ambiental, cultural etc.

Sem nos libertarmos do fetiche do PIB, não alcançaremos o desenvolvimento sustentável e inclusivo para todos os brasileiros.

 

Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT e  professor.