Notícias relacionadas à situação das contas públicas, especialmente na esfera federal, rotineiramente são divulgadas. Que as metas de resultados fiscais têm déficit recorde, o que torna a meta fiscal do ano, de tantos bilhões de reais, quase impossível. Que, novamente, o governo gastou mais do que arrecadou, levando o setor público a um déficit primário da cifra de bilhões.
Não precisa ser analista de economia para perceber que as previsões de alcance da meta de resultado primário, prometidas pelo governo, quase sempre não são alcançadas. Decerto deriva de fatores como: falhas de planejamento, baixa arrecadação, surgimento de novas despesas obrigatórias ou mesmo fatos imprevisíveis que oneram o orçamento primitivo, dentre outros.
Estamos falando em elaboração e execução orçamentária dos entes federados, com a incorporação das metas fiscais, em plena égide da Lei de Responsabilidade Fiscal, que surgiu no mundo jurídico em 4 de maio de 2000, elegendo o controle do endividamento público como um dos principais focos de uma gestão fiscalmente responsável.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) tornou obrigatório o controle dos gastos dos entes federados, basicamente condicionando-os à capacidade de suas arrecadações. Logo no seu preâmbulo (art. 1º, §1º) consta que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
É patente que havia uma total desordem das finanças dos entes nacional e subnacionais, com déficits imoderados e reiterados, levando o legislador infraconstitucional a adotar tal medida, no sentido de dar um basta aos constantes desequilíbrios das contas públicas, causa principal do aumento do endividamento.
A partir de então, a União, os estados (incluindo o DF) e os municípios foram obrigados a implementarem uma nova roupagem aos seus planejamentos, posto que passou a integrar a Lei de Diretrizes Orçamentárias o Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes (LRF, art. 4º, §1º).
Não bastasse o estabelecimento das metas de resultados fiscal, também se exige esforços para atingir tais objetivos, ainda que os entes tenham que contingenciar seus orçamentos, com limitação de empenhos e movimentação financeira (art. 9º).
O déficit público ocorre quando o governo gasta mais do que arrecada. Para cobri-lo, como acontece na esfera federal, o governo recorre ao mercado financeiro, tanto mediante a emissão de títulos públicos, como por meio de empréstimos. Consequentemente, há o aumento da dívida pública. A dívida é onerada pelos seus encargos – os juros, que poderão torná-la uma bola de neve, caso ao menos esses juros não forem pagos regularmente.
A busca do equilíbrio das contas públicas e até mesmo a redução da dívida, exige esforço fiscal. Por um lado, o Estado precisa gastar menos e com eficiência. Por outro, precisa arrecadar mais.
Feita a fixação das metas fiscais, durante a execução orçamentária, devem ser publicados os relatórios (RREO e RGF) bimestralmente e quadrimestralmente (arts. 52 e 54), visando mostrar o cumprimento das metas fiscais e limites de despesas, e favorecer a tomada de providência (limitação de empenho), caso haja a possibilidade de não atingimento dessas metas e limites no período levantado.
Por obrigação imposta pela LRF (art.59) e pelos próprios tribunais de contas, os relatórios fiscais são por estes analisados. Ao menos nas análises das metas fiscais dos municípios no âmbito do TCERO, o que se percebe é um total descompasso entre as metas estabelecidas de resultados primário e nominal e as que efetivamente foram realizadas.
Nas últimas contas anuais dos 52 municípios analisadas pelo TCERO, um tanto acima de 70% não atingiu as metas de resultados primário e nominal. Percebe-se nessas contas que a maioria dos municípios não tinha sequer necessidade de fazer previsão de resultado primário superavitário, porquanto o endividamento era baixíssimo ou inexistente. Revelando ausência de um planejamento condizente, dentro da realidade fiscal.
Segundo a STN, o principal parâmetro para a previsão do resultado primário, quando da elaboração do AMF, é o endividamento (Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF,14ª edição – 2023, p. 245).
No que lhe cabe, o TCERO sempre manteve firme a exigência aos seus jurisdicionados de um eficiente planejamento das metas fiscais e consequente atingimento de resultados. Para esse propósito, tem disponibilizado capacitações específicas com renomados professores. A despeito disso, é notória a complexidade do planejamento fiscal para municípios que não possuem uma estrutura técnica razoável.
Conforme a STN, o reconhecimento do cenário macroeconômico é essencial para o planejamento dos itens das metas fiscais, exigindo pesquisa aprofundada para identificar e utilizar as principais variáveis exemplificadas, como o PIB real (crescimento % anual), taxa real de juro implícito sobre a dívida líquida do Governo (média % anual), câmbio (R$/US$ – final do ano), inflação média (% anual) projetada e projeção do PIB do ente. Somente após a ponderação das variáveis econômicas, deve ser iniciado o processo de planejamento das metas de acordo com a política fiscal do ente (Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF, 14ª edição – 2023, p. 73. Sem sombra de dúvida, é uma tarefa demasiadamente difícil para municípios pequenos cumprirem todo esse rito.
A par dessa carência, o TCERO evolui na forma de apontar a falha pelo não atingimento das metas fiscais de resultado primário e nominal dos municípios rondonienses. Se antes usava de uma maior rigidez ao chamar a responsabilidade os gestores, agora opta por mitigar a irregularidade, sem prejuízo das necessárias recomendações de melhoria. A título de exemplo, na sua fundamentação, o Conselheiro Edilson Silva, relator das últimas contas dos municípios de Buritis e Machadinho do Oeste, pondera que, sendo o objetivo das metas fiscais o controle e o acompanhamento do endividamento público, não restou demonstrado que o descumprimento evidenciado tenha sido capaz de macular a gestão desses municípios ou prejudicado a capacidade de investimento, a execução de projetos e a oferta de serviços essenciais à população.
Assim, urge a necessidade do controle externo cada vez mais desencadear ações orientativas, capazes de melhorar o planejamento governamental, especificamente nesse ponto da previsão das metas fiscais.