Quando funciona, incomoda

 

Luiz Henrique Lima

 

A verdade é que ninguém gosta de ser controlado. As crianças não gostam do controle dos pais. Os alunos contestam o controle dos professores. Os maridos reclamam do controle das esposas e, muito pior, das sogras. Os empregados se queixam do controle dos patrões. E os governantes não se conformam com o controle dos Tribunais de Contas.

 

É certo que na vida há controles em demasia, alguns exagerados, outros inoportunos, muitos ineficazes e despropositados. Todavia, há também os que são essenciais: o controle da pressão para os hipertensos, o controle da temperatura para a conservação de alimentos e medicamentos, o controle de qualidade de produtos e serviços, entre outros. Da mesma forma, o controle dos gastos públicos é essencial à democracia.

 

O controle externo exercido pelos Tribunais de Contas envolve a fiscalização contábil, orçamentária, financeira, patrimonial e operacional da administração pública em todas as esferas: União, estados, Distrito Federal e municípios. Onde há despesa pública tem que haver controle. Trata-se de um princípio basilar da democracia, cuja origem remonta à Atenas do Século de Ouro, 500 anos antes de Cristo. Na sua obra intitulada Política, Aristóteles defendia a necessidade de prestação de contas quanto à aplicação dos recursos públicos e de punição para responsáveis por fraudes ou desvios, bem como defendeu a existência de um tribunal dedicado às contas e gastos públicos, para evitar que os cargos públicos enriqueçam aqueles que os ocupem. Hoje em dia, todas as nações democráticas do mundo dispõem na sua organização estatal de uma entidade fiscalizadora superior incumbida de atribuições semelhantes às preconizadas pelo filósofo grego.

 

Dois são os principais clientes dos trabalhos desenvolvidos pelos Tribunais de Contas.

 

Em primeiro lugar, a sociedade que recebe informações constantes de relatórios técnicos, elaborados de forma independente e de acordo com rigorosos padrões de qualidade. Os julgamentos de contas frequentemente apontam a existência de irregularidades, atribuem punições aos responsáveis e efetuam determinações e recomendações para a correção de procedimentos. Todo esse conjunto de informações de natureza pública é de grande utilidade para o exercício da cidadania, o desempenho de mandatos legislativos, a mobilização de movimentos sociais, a reflexão e a pesquisa acadêmicas etc.

 

O segundo grupo de clientes é composto pelos gestores públicos, que deveriam usar essas mesmas informações para buscar a correção de falhas e a melhoria do seu desempenho administrativo, aprimorando a execução de políticas públicas. Muitas vezes é isso que ocorre, resultando em maior qualidade e efetividade dos programas governamentais e melhor utilização dos recursos públicos. Há gestores que reconhecem a importância dos trabalhos de fiscalização e deles fazem ferramentas de análise crítica e adoção de providências corretivas.

 

Nem sempre, porém. Infelizmente, ainda se veem gestores que preferem brigar com os números em vez de com eles aprender preciosas lições. Assim, ainda há os que sonham em governar sem controle, ou com um controle míope, incapaz de identificar suas mazelas, e também mudo, sem condições de comunicá-las aos cidadãos. Ainda há os que conspiram para que os órgãos de controle tenham menos independência técnica e maior subordinação política aos eventuais detentores de poder. Isso explica muitos recentes ataques dirigidos principalmente ao Tribunal de Contas da União.

 

O fato, caros leitores, é que quanto melhor trabalham os órgãos de controle, mais incomodam os maus gestores. Quando se multiplicam as críticas aos Tribunais de Contas é porque o controle externo está incomodando, ou seja, funcionando e cumprindo o seu papel.

 

Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.