O auditor independente no âmbito do controle externo da administração pública é diferente do setor privado, pois não é personificado em um profissional ou sociedade de auditores contábeis, mas em um órgão constitucional autônomo e independente dos Poderes e de seus órgãos e entidades públicas.
A Constituição da República de 1988 garante aos Tribunais de Contas autonomia e independência ao conferir poderes de auto-organização e autogoverno similares as dos órgãos do Poder Judiciário (arts. 73, caput, 96) e competências próprias (art. 71).
Como se sabe, compete aos Tribunais de Contas brasileiros realizar as inspeções e auditorias de natureza contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial, nos termos do art. 71, IV, c/com art. 75, da Lei Maior, não as suas unidades “técnicas” ou aos seus servidores, os quais são órgãos auxiliares no exercício dessa atribuição constitucional.
No setor privado, a auditoria externa independente é atribuição privativa de contador inscrito no Conselho Regional de Contabilidade (CRC) e registrado no Cadastro Nacional de Auditores Independente (CNAI) e, se for atuar no mercado mobiliário, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conforme art. 25, “c)”, do Decreto-Lei nº 9.295/46, art. 3º, XXII, §1º, da Res. CFC nº 1.640/2021, Res. CFC n.º 1.495/2015 e Res. CVM nº 23/2021.
Nesse contexto, é imprescindível fazer uma correção conceitual e cultural disseminada por alguns servidores e associações de profissionais do controle externo, e até mesmo por Cortes de Contas, quanto ao termo “unidade técnica” e sua referência às secretarias ou inspetorias de controle externo, que podem gerar desinformação e pré-conceito aos cidadãos e a sociedade civil organizada.
Preliminarmente, é preciso esclarecer que as matérias sujeitas a jurisdição das Cortes de Contas, tais como prestação de contas e relatórios de fiscalização, são de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, e envolvem aspectos da legalidade, legitimidade e economicidade (arts. 70 e 71, CF), portanto, são matérias técnicas.
Desse modo, urge a necessidade de destacar os papéis ou atribuições dos servidores públicos e membros (titulares e substitutos) dos Tribunais de Contas brasileiros dentro do processo de controle externo, o qual, para simplificar e facilitar o entendimento, é divido em três fases.
Na primeira etapa, os auditores ou analistas e técnicos de controle externo exercem as atividades primárias de instrução de processos (de contas, auditorias, inspeções etc.), cujo produto final é um relatório. Todas essas atividades são dirigidas por uma unidade de instrução (secretaria/inspetoria) na qual estes servidores estão vinculados e são presididas por um relator (ministro, conselheiro, ministro-substituto e conselheiro-substituto).
Na segunda, os procuradores do Ministério Público de Contas (MPC) emitem pareceres sobre os processos de controle externo, opinando sobre a (i) legalidade ou (ir) regularidade dos processos e, conforme o caso, com sugestão de aplicação de medidas para o exato cumprimento da lei, de outras sanções e recomendações.
Além de presidirem a instrução processual desde a fase inicial, na última fase, os relatores (juízes de contas), saneiam os processos de controle externo, analisam os fatos e os fundamentos técnicos e jurídicos, fazer a subsunção dos fatos às normas, elaboram o relatório e o voto, com os fundamentos de fato e de direito, para deliberação nos órgãos colegiados (Plenário e/ou Câmaras) dos Tribunais de Contas.
Com efeito, é nesses órgãos deliberativos que atuam os relatores-julgadores (ministros e conselheiros) e os demais relatores (ministros-substitutos e conselheiros-substitutos). Vale ressaltar que é a própria Constituição da República (art. 73, §4º) que atribui a função de relator aos auditores dos Tribunais de Contas ao consignar-lhe o “exercício das demais atribuições da judicatura” quando não estiver em substituição a Ministro ou Conselheiro.
Por derradeiro, as atividades finalísticas de controle externo podem ser resumidas em (a) instrução técnica de processos pelos órgãos auxiliares, (b) parecer técnico-jurídico pelos procuradores do MPC e (c) decisão técnica-jurídica prolatadas pelos órgãos colegiados deliberativos e pelos relatores.
Ademais, é pacífica na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a qualificação do Tribunal de Contas como órgão técnico e independente. Partindo dessa premissa e da natureza de suas atribuições, pode-se afirmar que os Gabinetes de Ministros, Conselheiros, Ministros-Substitutos, Conselheiros Substitutos e dos Procuradores do MPC são órgãos técnicos e exercem atividades técnicas e finalísticas de controle externo.
Por outro lado, em simetria parcial aos órgãos do Poder Judiciário, a estrutura organizacional básica das Cortes de Contas divide-se, em síntese: órgãos deliberativos (Plenário e Câmaras), órgãos de direção (Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria), órgão ministerial (MPC) e órgãos auxiliares (secretarias, inspetorias e outros órgãos de apoio administrativo).
Por conseguinte, os relatores, os procuradores do MPC e os servidores das unidades de instrução exercem atividades técnicas e finalísticas de controle externo, dentro de suas atribuições legais e regimentais, sendo falacioso o argumento de que somente os profissionais de controle externo das denominadas “unidades ou equipes técnicas” realizam atividades técnicas.
Portanto, os Tribunais de Contas brasileiros são os legítimos e únicos Auditores Independentes dentro do sistema de controle externo, dotados com autonomia e independência necessárias para realizar auditorias e inspeções, julgar contas e exercer outras atribuições previstas no art. 71, da Constituição da República.
*Isaías Lopes da Cunha é auditor substituto de conselheiro do TCE-MT, mestre em Ciências Contábeis, bacharel em Direito e Ciências Contábeis.