Promulgada a Emenda Constitucional-EC 132, que altera o sistema tributário nacional, é nosso dever como estudiosos e profissionais do direito, das finanças e da governança examinar atentamente a redação final aprovada pelo Congresso Nacional. Há nela uma profusão de alterações espalhadas em dezenas de artigos das disposições permanentes e transitórias.
De modo geral, e compreensivelmente, o noticiário e os comentários dos especialistas mais requisitados têm se concentrado na extinção dos tributos PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS e sua substituição pela Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e Imposto sobre Bens e Serviços – IBS.
Contudo, há aspectos menos divulgados do novo ordenamento constitucional tributário que merecem bastante atenção pela sua relevância e pelo seu potencial impacto para a economia e a sociedade, especialmente sob o aspecto ambiental.
De fato, a defesa do meio ambiente, que já constituía um dos princípios da atividade econômica (art. 170, VI), passa também a ser definida como um dos cinco princípios do sistema tributário nacional, ao lado da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e da cooperação (art. 145, §3º). Assim, tanto a regulamentação infraconstitucional como a operacionalização administrativa das regras tributárias deverão observar critérios de sustentabilidade ambiental.
Na EC 132 pela primeira vez a preocupação com as mudanças climáticas se torna objeto de texto constitucional, após já ter sido tratada na Lei da Política Nacional das Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009). Um exemplo é a concessão de incentivos regionais que considerará, sempre que possível, critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (art. 43, §4º). Também na aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional serão priorizados projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (art. 159-A, §2º).
Ademais. foi acrescentado o inciso VIII ao §1º do art. 225, dispondo que, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Poder Público manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior a incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes.
Finalmente, o art. 19 da EC 132, estabelece que os incentivos fiscais relativos à produção de veículos alcançarão exclusivamente aqueles equipados com motor elétrico que tenha capacidade de tracionar o veículo somente com energia elétrica, permitida a associação com motor de combustão interna que utilize biocombustíveis isolada ou simultaneamente com combustíveis derivados de petróleo.
O meio ambiente é novamente mencionado na previsão de um novo imposto a ser instituído pela União, mediante lei complementar, sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (art. 153, VIII). Desta forma, os bens e serviços cujos processos produtivos ou ciclos de vida gerem significativos impactos ambientais negativos serão objeto de tributação específica e adicional.
Outra inovação foi a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal instituírem alíquotas diferenciadas para o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores em função do impacto ambiental de cada modelo ou do tipo de combustível utilizado (art. 155, §6º, II).
No que concerne aos critérios de repartição entre os municípios da arrecadação do IBS, uma parcela de 5% corresponderá a indicadores de preservação ambiental, de acordo com o que dispuser lei estadual (art. 158, §2º). Municípios com melhor desempenho ambiental receberão mais recursos.
Em síntese, embora esse não tenha sido o seu propósito original, a reforma tributária de 2023 é positivamente inovadora e progressista ao incorporar às regras constitucionais tributárias dispositivos relevantes sob o aspecto da sustentabilidade ambiental, de forma coerente com os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, subscritos pelo Brasil.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT, Doutor em Planejamento Ambiental e professor.