Na redação original da lei de improbidade administrativa – lei 8.429/1992 ou LIA – os tribunais de contas – TCs eram objeto de menções discretas. Diversas alterações posteriores ampliaram o espaço comum entre a atuação dos órgãos de controle e a aferição dos atos de improbidade. Agora, a recentíssima lei 14.230/2021 promoveu mudanças relevantes nessa relação.
Por exemplo, o art. 21 da LIA estipula que a aplicação das sanções nela previstas (perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial, ou do valor do dano, ou proporcional ao valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário) independeria da aprovação ou rejeição das contas do responsável pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas. O dispositivo consagra o princípio da independência das instâncias e significa que a decisão do órgão de controle não vincula a decisão do Judiciário ou vice-versa.
A lei 14.230/2021 aduziu parágrafos ao art. 21, estipulando que as provas produzidas perante os órgãos de controle e as correspondentes decisões deverão ser consideradas na formação da convicção do juiz, sem prejuízo da análise acerca do dolo na conduta do agente; bem como que os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público. Considero positivas essas inovações, pois o conteúdo técnico do processo de controle externo poderá informar a decisão do magistrado.
De outro lado, a lei 14.230/2021 promoveu uma relativização na caracterização da omissão na prestação de contas como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. Na redação original do inciso VI do art. 11, “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo” era suficiente para caracterizar a improbidade. A nova norma estabeleceu duas condicionantes “desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades”.
A nova lei também foi mais complacente com a negligência na prestação de contas. Anteriormente, havia improbidade em “agir negligentemente” na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. A nova redação passou a “agir para a configuração de ilícito na celebração etc.”. Ou seja, uma atuação omissiva ou, de qualquer modo, negligente deixou de ser considerada improba, exigindo-se agora que o agente atue para a configuração do ilícito.
Outra infeliz inovação da lei 14.230/2021 no sentido da “desimprobidadização” foi a supressão do inciso IX do art. 11 que considerava como improbidade “deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação”.
Ainda no que concerne aos tribunais de contas, merece destaque o novo art. 17-B, que prevê que o Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo
de não persecução civil. Uma das condições do referido acordo é o integral ressarcimento do dano, para cuja apuração deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. Nesse caso também, reputo positiva a inovação, embora, em situações de maior complexidade e contratos de grande vulto, o prazo estipulado não seja realista.
Por fim, a lei nº 14.230/2021 acrescentou o § 8º ao art. 2º da LIA, expressando que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. É importante o reconhecimento da jurisprudência dos TCs; contudo, é de se lamentar que esses ainda não disponham de mecanismos de uniformização de entendimentos como ocorre no Judiciário.
Há, ainda, inúmeras outras importantes alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, que ultrapassam o escopo e o espaço desse artigo. Em síntese, pode-se afirmar que a nova LIA, embora mais complacente na caracterização dos atos de improbidade administrativa, ampliou os espaços de interação dos tribunais de contas com o Poder Judiciário.
Luiz Henrique Lima é Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT