Recentemente, por indicação de um amigo, li o livro “Os Onze”, dos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, que relata bastidores da atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do Mensalão aos dias atuais. A leitura é agradável e a recomendo aos que se interessam em acompanhar a nossa vida pública.
Numa passagem, é mencionada a obra do ex-ministro Aliomar Baleeiro que se referia ao Supremo como “o outro desconhecido”, registrando que àquela época o STF raramente era objeto de atenção da imprensa.
A referência me recordou que o cargo que exerço, de Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas, também é objeto de grande desconhecimento. Só que, ao contrário daquele STF, esse desconhecimento tem se propagado por meio de inúmeras declarações e comentários públicos que terminam por desinformar as pessoas.
Nosso cargo é centenário, tem natureza constitucional e exerce atribuições de judicatura. Exige prévia aprovação em concurso de provas e títulos, além de requisitos como formação acadêmica, experiência profissional e ficha limpa, ou seja, idoneidade moral e reputação ilibada comprovadas por um sem-número de certidões da Justiça Federal, Estadual, Militar etc.
É centenário porque foi criado, no âmbito do TCU, em 1918, pela Lei 3.454. Recebeu o nome de Auditor do Tribunal de Contas, conforme a tradição da época, nomenclatura que foi mantida na Constituição de 1988. Como, nas últimas décadas, multiplicaram-se outros cargos como “auditor fiscal”, “auditor previdenciário” ou “auditor de controle”, a legislação federal hoje utiliza também a forma de Ministro Substituto e nos estados Conselheiro Substituto. Assim, o Auditor, cargo constitucional, não se confunde com os demais auditores, relevantes carreiras de Estado, responsáveis pelos trabalhos de fiscalização.
Desde a sua gênese, os Ministros e Conselheiros Substitutos exercem atribuições de judicatura, isto é, presidem a instrução dos processos de controle externo, adotando diversas espécies de decisões monocráticas acerca da admissibilidade ou não de processos, notificações e citações de gestores e responsáveis pela aplicação de recursos públicos e emitindo julgamentos singulares e medidas cautelares. Além disso, também há mais de um século, os Substitutos são convocados a substituir os titulares nos órgãos colegiados, quando de sua ausência, por qualquer motivo, ou vacância, nos casos de morte, aposentadoria ou renúncia.
 

Mesmo em parte desconhecidos ou incompreendidos, os Ministros e Conselheiros Substitutos têm realizado um importante trabalho em prol de MT e do Brasil”

Luiz Henrique Lima

 
Aí reside uma primeira confusão: os Substitutos substituem, mas não são reservas. Não é como no futebol que o reserva fica sentado no banco vendo o jogo e aguardando a oportunidade de entrar em campo, em caso de contusão ou necessidade tática. Enquanto não estão substituindo nos órgãos colegiados, os Substitutos trabalham normalmente presidindo e relatando milhares de processos de sua responsabilidade direta. Quando convocados, seu trabalho duplica.
Outra confusão muito comum é imaginar que os Substitutos são de alguma maneira subordinados aos Ministros e Conselheiros titulares. Tribunal não é quartel em que o soldado bate continência ao cabo e assim por diante. Não há hierarquia nenhuma entre substitutos e titulares, apenas atribuições diferentes. Da mesma forma que o juiz de direito não é subordinado ao desembargador e o promotor não é subordinado ao procurador de justiça. Isso, aliás, está muito claro na própria Constituição. Tanto é assim que, quando convocado, o voto do Substituto no Pleno tem o mesmo peso do voto do titular.
Outro dia, numa das declarações mais infelizes dos últimos tempos, afirmou-se que os titulares seriam como médicos habilitados a tratar dos gestores e os Substitutos não passariam de enfermeiras, qualificadas apenas para cuidados ambulatoriais. Sandice completa. Primeiro porque ignora e desmerece o papel da enfermagem. Segundo, porque desconsidera que os Substitutos precisam ser aprovados em dificílimos concursos públicos, com provas objetivas, discursivas, orais e de títulos em múltiplas disciplinas jurídicas, econômicas, contábeis e de administração pública, não sendo razoável atribuir-lhes uma qualificação técnica insuficiente ou limitada para o exercício de suas funções no controle externo.
Mesmo em parte desconhecidos ou incompreendidos, os Ministros e Conselheiros Substitutos têm realizado um importante trabalho em prol de MT e do Brasil.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT. E-mail: luizhlima@tce.mt.gov.br