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Ismar Viana: “Não há Estado Democrático de Direito sem controle, também não há controle sem regras”
Entrevista de Ismar Viana, Auditor de controle externo do TCE-SE, para o JL Política “O fortalecimento do controle da administração pública constitui um dos elementos fundamentais da democracia” Na segunda-feira, dia 4, o advogado sergipano, bacharel em Letras e sobretudo auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe – TCE-SE -, Ismar Viana, 40 anos, assumiu silenciosamente – como impõem esses tempos pandêmicos – o comando de uma entidade de classe muito importante exatamente porque agrega uma categoria identicamente muito importante. Trata-se da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil – ANTC -, na qual ele terá um mandato de dois anos – 2021 e 2022. Ismar Viana assumiu a ANTC em um solenidade virtual, à distância, mas a abrangência que ele confere a essa entidade e sobretudo aos profissionais que integram e compõem a categoria que ela representa é algo profundamente real e concreto. Real, concreto e significativo. Mais do que uma mera deferência corporativa para com a categoria a que ele pertence – e a represente desde o dia 4 -, Ismar Viana coloca os auditores de controle externo do Brasil como sujeitos elementares e imprescindíveis, e que dão consequência ao Estado Democrático de Direito. “O fortalecimento do controle da administração pública constitui um dos elementos fundamentais da democracia”, diagnóstica Ismar Viana. “Da mesma forma que não há Estado Democrático de Direito sem controle, também não há controle sem regras, do que resulta possível afirmar que a concretização do direito à regular atuação dos Tribunais de Contas é tida como condição de legitimidade das suas decisões, como condição de acreditação social, fim que depende do respeito ao postulado do devido processo legal”, reforça. “A ANTC é uma entidade de classe de âmbito nacional que representa exclusivamente os auditores de controle externo. E quem são esses agentes públicos?”, diz Ismar, situando a entidade que ele vai presidir daqui mesmo de Sergipe e numa estrutura colegiada tão bem amarrada, ou compartilhada, que não parece lhe pesar muito sobre os ombros. Sim, afinal, quem são mesmo esses sujeitos chamados de auditores de controle externo, que se constituem em oito mil vozes e atuam encastelados em 33 Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e da União? Ismar Viana explica: “Seguindo a simetria constitucional, é considerado auditor de controle externo aquele agente público cujo rol de atribuições do cargo abranja todas as atividades de fiscalização e instrução processual na esfera de controle externo e cujo ingresso no quadro próprio de pessoal tenha se dado por meio da prévia aprovação em concurso público específico de nível superior”. “Para além da defesa do concurso público específico como meio legítimo e probo de ingresso na carreira, a ANTC defende o respeito ao devido processo legal na esfera de controle, em sua inteireza, objetivando com isso fiscalizações técnicas, independentes e imparciais, com vistas ao alcance da higidez nas finanças públicas. A sanidade das finanças públicas depende de Tribunais de Contas que funcionem bem, que gozem de credibilidade e independência, que sejam exemplo de organização para poder cobrar de outros órgãos sob sua jurisdição. Isso, inclusive, consta das normas internacionais de auditoria”, complementa. Além da práxis de um auditor de controle externo no TCE-SE há seis anos – ele entra na casa em 2011, mas só três anos depois ele toma posse no cargo de auditor -, Ismar Viana tem toda uma vivência nessa área, com inserção acadêmica. Ele é mestre em Direito e graduado em Letras, desde 2005, e em Direito, em 2009. Tem pós-graduação em Direito Administrativo, em Combate à Corrupção e em Direito Educacional. E é professor. É membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro e do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo, Cidadania e Concretização de Políticas Públicas da Universidade Federal de Sergipe e é autor do livro “Fundamentos do Processo de Controle Externo”. Foi servidor concursado da Secretaria de Estado da Justiça (2002 a 2008) de Sergipe, onde atuou na Direção do Presídio de Tobias Barreto e foi secretário municipal da Administração e da Ordem Pública da Prefeitura de Lagarto (2009/2010). No Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, é coordenador da Unidade de Informações Estratégicas – UNIE – uma assessoria da Presidência. Na OAB de Sergipe, Ismar foi presidente da Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública. Ministra cursos e faz palestras nas Escolas de Contas dos Tribunais de Contas do Brasil. Ismar dos Santos Viana nasceu no dia 18 de maio de 1980 em Aracaju, mas desde os primeiros dias de vida foi criado em Lagarto. Ele é filho de Ismael do Carmo Viana e de Marlene Santiago dos Santos Viana. É casado com Viviane Viana, com quem é pai de João Vítor, de sete anos, e de Matheus, de 11 meses. “Se um gestor público não é exemplarmente responsabilizado por atos irregulares praticados no âmbito da gestão de recursos públicos, é de se esperar que ele venha a reincidir. Do jeito que o sentimento de impunidade, na esfera penal, leva o criminoso a alimentar a ideia de que o crime compensa, o mau gestor pensa da mesma forma”, diz ele. A Entrevista com Ismar Viana vale a leitura. ENTREVISTA JLPolítica – Como se encontra o Brasil do ponto de vista da “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” nas esferas públicas? Ismar Viana – A Constituição Federal traçou um bom modelo. O modelo de auditoria do setor público adotado pelo Brasil é dotado de instrumentos que, se bem utilizados, podem contribuir significativamente para prevenir desvios, para instrumentalizar procedimentos investigativos e ações de competências de outras instituições, como o Ministério Público e a Polícia Judiciária. No mundo todo, temos as Entidades de Fiscalização Superior – EFS – que fazem o controle das receitas e das despesas públicas, e o Brasil adotou o modelo de Tribunais de Contas. Ou seja, uma EFS dotada de poderes jurisdicional e sancionador, que não precisa de provocação para agir e suas decisões têm eficácia de título executivo. Isso significa que os Tribunais de Contas têm competência para investigar, para instruir seus processos, para acusar e ainda para julgar, e que essas… Read more »
A proposta de uniformização nacional de entendimentos pelo TCU
Artigo de: Odilon Cavallari de Oliveira – Auditor Federal de Controle Externo A PEC 188/2019, denominada PEC do Pacto Federativo, prevê acrescentar ao artigo 71 da Constituição Federal o inciso XII e os parágrafos 5º e 6º, de modo a outorgar ao Tribunal de Contas da União a competência para consolidar a interpretação das normas gerais de finanças públicas de tratam os artigos 163, 165, § 9°, e 169, da Constituição Federal, por meio de Orientações Normativas com efeito vinculante em relação aos demais Tribunais de Contas, cabendo reclamação ao TCU da decisão do Tribunal de Contas que contrariar referidas orientações normativas. Conforme consta da justificação da referida PEC, busca-se com essa proposta “a uniformização da interpretação de conceitos constantes na legislação orçamentário-financeira, sobretudo a Lei de Responsabilidade Fiscal”, a fim de evitar as “divergências entre os Tribunais de Contas em relação às práticas contábeis”. A preocupação com a uniformização da interpretação de normas gerais pelos tribunais de contas já havia motivado a apresentação da PEC 329/2013, com proposta semelhante à que ora se analisa, e da PEC 22/2017, que prevê a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas e, em seu âmbito, a criação de uma Câmara de Uniformização de Jurisprudência, a ser composta pelos onze membros do referido Conselho, dos quais dois são ministros do TCU. A fim de melhor identificar o objeto da PEC 188/2019, é importante destacar que a proposta não sustenta outorga ao TCU de competência revisional das decisões dos demais tribunais de contas sobre: a) matéria de fato, ainda que se trate de fato regulado por norma geral de finanças públicas, pois a apreciação do fato e das suas consequências, inclusive no tocante a eventual reprovação de contas ou responsabilização do administrador público, continuará sendo da competência plena dos demais tribunais de contas; b) interpretação de normas estaduais e municipais; c) norma geral que não seja uma das previstas nos artigos 163, 165, § 9°, e 169 da Constituição Federal, relativas às finanças públicas. Por outro lado, o que a PEC 188/2019 prevê é a outorga ao TCU de competência para interpretar, com efeito vinculante, as leis complementares sobre finanças públicas de que tratam os artigos 163, 165, § 9°, e 169, por meio de Orientações Normativas. Eis aí o seu objeto. É de se ver que a ideia da uniformização da jurisprudência sobre normas gerais não surgiu sem razão. Ao contrário, foram as diferentes interpretações dadas à LRF pelos tribunais de contas, mas que não são adotadas pelo TCU nem pelo Tesouro Nacional, o principal motor a alimentar essa ideia, a exemplo das seguintes: 1. inclusão das despesas com inativos e pensionistas no cômputo das despesas com educação e saúde, para fins da verificação da aplicação do mínimo exigido pela legislação para essas áreas; 2. exclusão dos inativos e pensionistas do cômputo das despesas com pessoal, para fins de verificação do respeito ao limite máximo fixado pela LRF; 3. exclusão do imposto de renda retido na fonte (IRRF) da receita corrente líquida e da despesa total com pessoal, o que implica um aumento da margem de expansão dessa despesa da ordem de 40% em relação ao critério adotado pela União. A dramaticidade dessas práticas atingiu um de seus pontos mais altos com a notícia de que o Governo de Minas Gerais fará dois orçamentos, a fim de que aquele Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal e, com isso, receber socorro financeiro da União: um para atender à interpretação do TCE-MG, que defende a exclusão das despesas com aposentados e pensionistas do cálculo de despesas com pessoal, e outro para atender à interpretação da Secretaria do Tesouro Nacional, que não admite essa exclusão.[1] Segundo a PEC 188/2019 e a PEC 329/2013, o TCU deve ser o órgão competente para uniformizar, nacionalmente, a jurisprudência sobre finanças públicas, o que tem ensejado uma discussão acerca da sua suposta inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 60, §4º, inciso I, da Constituição Federal, no sentido de que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, porquanto haveria uma inaceitável redução da autonomia dos Tribunais de Contas Estaduais. É curioso observar que parece haver uma contradição nesse argumento, pois, conforme mencionado acima, a PEC 22/2017 prevê que o órgão competente para a uniformização da jurisprudência deveria ser uma Câmara de Uniformização de Jurisprudência, que funcionaria no âmbito do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), cuja criação também está prevista na citada PEC 22/2017. Ou seja, caso aprovada a PEC 22/2017, haveria, de igual modo, uma redução da autonomia dos Tribunais de Contas Estaduais. Portanto, segundo essa forma de ver a questão, as três PECs acima mencionadas reduzem a autonomia dos TCEs, pois o CNTC, se for criado, será um órgão da União, assim como é o TCU, cujas decisões terão de ser respeitadas pelos Tribunais de Contas. Em outras palavras, ou se reconhece a constitucionalidade dessa redução da autonomia dos TCEs, no tocante à interpretação de normas gerais, em favor de um órgão da União, seja o TCU ou qualquer outro, ou, por coerência, deve-se considerar inconstitucionais as três PECs, o que inclui a PEC 22/2017. Por outro lado, o modelo vigente compromete a máxima efetividade das normas gerais de finanças públicas, porquanto os entes subnacionais interpretam e aplicam essas normas de modo absolutamente dissociado da interpretação dada pela União. Trata-se de modelo que frustra a autonomia que a União deveria ter para fazer valer as normas gerais que edita. Pelo atual modelo é dar com uma mão, mas tirar com a outra. O que a cláusula pétrea do §4º do artigo 60 da Constituição Federal veda é a proposta de emenda à Constituição tendente a abolir a forma federativa de Estado. Isso significa que não é proibido aumentar ou reduzir a centralização de competências na União, desde que esse aumento ou redução não comprometa a forma federativa de Estado. Nesse sentido tem decidido o STF, segundo o qual as cláusulas pétreas não são absolutamente intangíveis, mas apenas o seu núcleo essencial.[2]… Read more »
O papel dos órgãos de controle externo no combate à corrupção
Apontada pela sociedade como o principal problema do país, a corrupção está na raiz da ausência ou precariedade de serviços públicos de qualidade, especialmente educação, saúde, infraestrutura e segurança, apesar de termos carga tributária de 32,36% (dados de 2017), comparável à de países desenvolvidos de renda alta. Os tribunais de contas, com o auxílio do Ministério Público de Contas, são importantes órgãos para a prevenção e o combate à corrupção. Vivem, contudo, um paradoxo. Ao tempo em que contam com quadro técnico cada vez mais capacitado, sua composição, com predominância de membros de origem política, tem evidenciado o quanto a componente política é deletéria em sua atuação. Muito do que se apurou em grandes casos de corrupção teve início ou apoio dos tribunais de contas, mas muita corrupção também não se inibiu por omissão, leniência ou mesmo envolvimento de agentes desses órgãos. Os tribunais de contas fazem parte hoje, ao mesmo tempo, do problema e da solução. Para realizar o controle da administração pública, a Constituição Federal previu os tribunais de contas e o Ministério Público de Contas que atua perante essas cortes. Os outros ramos do Ministério Público brasileiro e o próprio Judiciário têm também a função de controle da administração pública, mas os tribunais de contas e o Ministério Público de Contas são dedicados exclusivamente a essa finalidade. Desafortunadamente, o mesmo mecanismo de ocupação política de cargos da administração ocorre também nos tribunais de contas e até mesmo no Poder Judiciário, com maior intensidade naqueles. Grupos políticos indicam integrantes do grupo ou simpatizantes para a função de fiscalizar a administração pública por eles governada. Por óbvio, isso conduz ao enfraquecimento da instituição, à omissão no dever de fiscalizar e à resistência a aplicar sanções e fazer os enfrentamentos necessários quando a vontade dos governantes afronta as leis. Não é por acaso que tantas interpretações que flexibilizam a Lei de Responsabilidade Fiscal surgiram em tantos estados da federação e que estes estados são os que têm contas em pior situação. A Constituição Federal outorgou aos tribunais de contas competências amplas. Em princípio, qualquer ato administrativo está sujeito ao seu controle, que pode examinar qualquer um de seus elementos de formação, como forma, autoridade competente, finalidade, conformidade com a lei e sua economicidade, com poder mandamental para determinar a correção de atos irregulares, conforme o artigo 71, inciso IX, da Constituição Federal que confere ao Tribunal de Contas da União poder para fixar prazo para o exato cumprimento da lei. O tribunal de contas tem, portanto, o poder de iniciar um procedimento de fiscalização, determinar o que entende como correto, com meios de fazer valer essa determinação ou de punir quem não a acatar. A Constituição Federal, no capítulo próprio do Ministério Público, em seu artigo 130, trata da existência de um ramo especializado do Ministério Público que atua perante os Tribunais de Contas, que para maior clareza, tem sido apropriadamente chamado de Ministério Público de Contas. Seus integrantes são selecionados mediante concursos públicos de provas e títulos, nos mesmos moldes dos demais concursos para os outros ramos do Ministério Público. Com as mesmas prerrogativas e impedimentos dos demais membros do MP brasileiro, o que os distingue é apenas o órgão perante o qual atuam e o largo campo de atuação, equivalente ao do Tribunal de Contas correspondente. Sua função é a mesma de qualquer órgão do Ministério Público, a defesa da ordem jurídica em nome da sociedade. O Ministério Público de Contas atua basicamente de duas formas: emitindo pareceres em processos iniciados pelo próprio tribunal de contas ou provocando o início de processos de fiscalização por meio de representações apresentadas aos tribunais de contas. A representação do MP de Contas corresponde à Ação Civil Pública do MP judicial. Para preparar suas representações, o MP de Contas pode promover investigações preliminares a partir da prerrogativa de requisitar informações diretamente aos órgãos e entidades jurisdicionados. Além dessas duas formas de atuação, o MP de Contas pode ainda, com espeque em sua independência funcional, expedir recomendações diretamente aos órgãos e entidades da administração, sem nenhuma necessidade de intermediação do tribunal de contas. Uma recomendação do MP de Contas pode produzir a correção de alguma conduta inadequada da administração pública, sem necessidade de instauração de processos, sempre mais demorados, por mais céleres que sejam. Naturalmente, as recomendações do MP de Contas não substituem a atividade dos tribunais de contas, até porque as recomendações, embora dotadas de grande persuasão e autoridade moral, não têm caráter mandamental como as determinações dos tribunais de contas. Em alguns estados, o Ministério Público de Contas atua ainda celebrando acordos com os jurisdicionados para adoção de medidas corretivas. São os chamados Termos de Ajustamento de Gestão (TAGs), instrumento análogo aos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) celebrados pelo MP judicial para superação de ilegalidades sem ajuizamento de ações cíveis. Por meio dos TAGs, são estabelecidas correções graduais de situações de ilegalidade, sem necessidade de autuação de processo de fiscalização por parte do tribunal de contas. Em outros estados, entretanto, são os próprios tribunais de contas que celebram TAGs, o que se afigura um contrassenso, uma vez que o órgão que pode mandar por meio de decisão colegiada não tem porque celebrar acordo, que existe justamente para substituir um processo e uma necessidade de decisão. É da tradição dos tribunais de contas, no curso de um processo, receber do gestor ponderações e propostas de adequação gradual de sua conduta, especialmente quando demonstrada que a solução necessária exigirá medidas e recursos não disponíveis, pelo menos integralmente. Essas propostas podem ser acolhidas pelos tribunais de contas por meio de acórdãos que fixam prazos para implementação das medidas, mas isso não transmuda o processo em TAG. Continua sendo um processo de controle externo com decisão mandamental de implementação de medidas para o exato cumprimento da lei. Por sua natureza preventiva, os TAGs devem ser celebrados pelo Ministério Público de Contas e, se descumpridos, dar azo a medidas sancionadoras perante os tribunais de contas. Por sua capilaridade, competências, quadro de auditores e poder… Read more »