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Ismar Viana: “Não há Estado Democrático de Direito sem controle, também não há controle sem regras”

Entrevista de Ismar Viana, Auditor de controle externo do TCE-SE, para o JL Política “O fortalecimento do controle da administração pública constitui um dos elementos fundamentais da democracia” Na segunda-feira, dia 4, o advogado sergipano, bacharel em Letras e sobretudo auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe – TCE-SE -, Ismar Viana, 40 anos, assumiu silenciosamente – como impõem esses tempos pandêmicos – o comando de uma entidade de classe muito importante exatamente porque agrega uma categoria identicamente muito importante. Trata-se da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Brasil – ANTC -, na qual ele terá um mandato de dois anos – 2021 e 2022. Ismar Viana assumiu a ANTC em um solenidade virtual, à distância, mas a abrangência que ele confere a essa entidade e sobretudo aos profissionais que integram e compõem a categoria que ela representa é algo profundamente real e concreto. Real, concreto e significativo. Mais do que uma mera deferência corporativa para com a categoria a que ele pertence – e a represente desde o dia 4 -, Ismar Viana coloca os auditores de controle externo do Brasil como sujeitos elementares e imprescindíveis, e que dão consequência ao Estado Democrático de Direito. “O fortalecimento do controle da administração pública constitui um dos elementos fundamentais da democracia”, diagnóstica Ismar Viana. “Da mesma forma que não há Estado Democrático de Direito sem controle, também não há controle sem regras, do que resulta possível afirmar que a concretização do direito à regular atuação dos Tribunais de Contas é tida como condição de legitimidade das suas decisões, como condição de acreditação social, fim que depende do respeito ao postulado do devido processo legal”, reforça. “A ANTC é uma entidade de classe de âmbito nacional que representa exclusivamente os auditores de controle externo. E quem são esses agentes públicos?”, diz Ismar, situando a entidade que ele vai presidir daqui mesmo de Sergipe e numa estrutura colegiada tão bem amarrada, ou compartilhada, que não parece lhe pesar muito sobre os ombros. Sim, afinal, quem são mesmo esses sujeitos chamados de auditores de controle externo, que se constituem em oito mil vozes e atuam encastelados em 33 Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e da União? Ismar Viana explica: “Seguindo a simetria constitucional, é considerado auditor de controle externo aquele agente público cujo rol de atribuições do cargo abranja todas as atividades de fiscalização e instrução processual na esfera de controle externo e cujo ingresso no quadro próprio de pessoal tenha se dado por meio da prévia aprovação em concurso público específico de nível superior”. “Para além da defesa do concurso público específico como meio legítimo e probo de ingresso na carreira, a ANTC defende o respeito ao devido processo legal na esfera de controle, em sua inteireza, objetivando com isso fiscalizações técnicas, independentes e imparciais, com vistas ao alcance da higidez nas finanças públicas. A sanidade das finanças públicas depende de Tribunais de Contas que funcionem bem, que gozem de credibilidade e independência, que sejam exemplo de organização para poder cobrar de outros órgãos sob sua jurisdição. Isso, inclusive, consta das normas internacionais de auditoria”, complementa. Além da práxis de um auditor de controle externo no TCE-SE há seis anos – ele entra na casa em 2011, mas só três anos depois ele toma posse no cargo de auditor -, Ismar Viana tem toda uma vivência nessa área, com inserção acadêmica. Ele é mestre em Direito e graduado em Letras, desde 2005, e em Direito, em 2009. Tem pós-graduação em Direito Administrativo, em Combate à Corrupção e em Direito Educacional. E é professor. É membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro e do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo, Cidadania e Concretização de Políticas Públicas da Universidade Federal de Sergipe e é autor do livro “Fundamentos do Processo de Controle Externo”. Foi servidor concursado da Secretaria de Estado da Justiça (2002 a 2008) de Sergipe, onde atuou na Direção do Presídio de Tobias Barreto e foi secretário municipal da Administração e da Ordem Pública da Prefeitura de Lagarto (2009/2010). No Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, é coordenador da Unidade de Informações Estratégicas – UNIE – uma assessoria da Presidência. Na OAB de Sergipe, Ismar foi presidente da Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública. Ministra cursos e faz palestras nas Escolas de Contas dos Tribunais de Contas do Brasil. Ismar dos Santos Viana nasceu no dia 18 de maio de 1980 em Aracaju, mas desde os primeiros dias de vida foi criado em Lagarto. Ele é filho de Ismael do Carmo Viana e de Marlene Santiago dos Santos Viana. É casado com Viviane Viana, com quem é pai de João Vítor, de sete anos, e de Matheus, de 11 meses. “Se um gestor público não é exemplarmente responsabilizado por atos irregulares praticados no âmbito da gestão de recursos públicos, é de se esperar que ele venha a reincidir. Do jeito que o sentimento de impunidade, na esfera penal, leva o criminoso a alimentar a ideia de que o crime compensa, o mau gestor pensa da mesma forma”, diz ele. A Entrevista com Ismar Viana vale a leitura. ENTREVISTA JLPolítica – Como se encontra o Brasil do ponto de vista da “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” nas esferas públicas? Ismar Viana – A Constituição Federal traçou um bom modelo. O modelo de auditoria do setor público adotado pelo Brasil é dotado de instrumentos que, se bem utilizados, podem contribuir significativamente para prevenir desvios, para instrumentalizar procedimentos investigativos e ações de competências de outras instituições, como o Ministério Público e a Polícia Judiciária. No mundo todo, temos as Entidades de Fiscalização Superior – EFS – que fazem o controle das receitas e das despesas públicas, e o Brasil adotou o modelo de Tribunais de Contas. Ou seja, uma EFS dotada de poderes jurisdicional e sancionador, que não precisa de provocação para agir e suas decisões têm eficácia de título executivo. Isso significa que os Tribunais de Contas têm competência para investigar, para instruir seus processos, para acusar e ainda para julgar, e que essas… Read more »

A proposta de uniformização nacional de entendimentos pelo TCU

Artigo de: Odilon Cavallari de Oliveira – Auditor Federal de Controle Externo A PEC 188/2019, denominada PEC do Pacto Federativo, prevê acrescentar ao artigo 71 da Constituição Federal o inciso XII e os parágrafos 5º e 6º, de modo a outorgar ao Tribunal de Contas da União a competência para consolidar a interpretação das normas gerais de finanças públicas de tratam os artigos 163, 165, § 9°, e 169, da Constituição Federal, por meio de Orientações Normativas com efeito vinculante em relação aos demais Tribunais de Contas, cabendo reclamação ao TCU da decisão do Tribunal de Contas que contrariar referidas orientações normativas. Conforme consta da justificação da referida PEC, busca-se com essa proposta “a uniformização da interpretação de conceitos constantes na legislação orçamentário-financeira, sobretudo a Lei de Responsabilidade Fiscal”, a fim de evitar as “divergências entre os Tribunais de Contas em relação às práticas contábeis”. A preocupação com a uniformização da interpretação de normas gerais pelos tribunais de contas já havia motivado a apresentação da PEC 329/2013, com proposta semelhante à que ora se analisa, e da PEC 22/2017, que prevê a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas e, em seu âmbito, a criação de uma Câmara de Uniformização de Jurisprudência, a ser composta pelos onze membros do referido Conselho, dos quais dois são ministros do TCU. A fim de melhor identificar o objeto da PEC 188/2019, é importante destacar que a proposta não sustenta outorga ao TCU de competência revisional das decisões dos demais tribunais de contas sobre: a) matéria de fato, ainda que se trate de fato regulado por norma geral de finanças públicas, pois a apreciação do fato e das suas consequências, inclusive no tocante a eventual reprovação de contas ou responsabilização do administrador público, continuará sendo da competência plena dos demais tribunais de contas; b) interpretação de normas estaduais e municipais; c) norma geral que não seja uma das previstas nos artigos 163, 165, § 9°, e 169 da Constituição Federal, relativas às finanças públicas. Por outro lado, o que a PEC 188/2019 prevê é a outorga ao TCU de competência para interpretar, com efeito vinculante, as leis complementares sobre finanças públicas de que tratam os artigos 163, 165, § 9°, e 169, por meio de Orientações Normativas. Eis aí o seu objeto. É de se ver que a ideia da uniformização da jurisprudência sobre normas gerais não surgiu sem razão. Ao contrário, foram as diferentes interpretações dadas à LRF pelos tribunais de contas, mas que não são adotadas pelo TCU nem pelo Tesouro Nacional, o principal motor a alimentar essa ideia, a exemplo das seguintes: 1. inclusão das despesas com inativos e pensionistas no cômputo das despesas com educação e saúde, para fins da verificação da aplicação do mínimo exigido pela legislação para essas áreas; 2. exclusão dos inativos e pensionistas do cômputo das despesas com pessoal, para fins de verificação do respeito ao limite máximo fixado pela LRF; 3. exclusão do imposto de renda retido na fonte (IRRF) da receita corrente líquida e da despesa total com pessoal, o que implica um aumento da margem de expansão dessa despesa da ordem de 40% em relação ao critério adotado pela União. A dramaticidade dessas práticas atingiu um de seus pontos mais altos com a notícia de que o Governo de Minas Gerais fará dois orçamentos, a fim de que aquele Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal e, com isso, receber socorro financeiro da União: um para atender à interpretação do TCE-MG, que defende a exclusão das despesas com aposentados e pensionistas do cálculo de despesas com pessoal, e outro para atender à interpretação da Secretaria do Tesouro Nacional, que não admite essa exclusão.[1] Segundo a PEC 188/2019 e a PEC 329/2013, o TCU deve ser o órgão competente para uniformizar, nacionalmente, a jurisprudência sobre finanças públicas, o que tem ensejado uma discussão acerca da sua suposta inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 60, §4º, inciso I, da Constituição Federal, no sentido de que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, porquanto haveria uma inaceitável redução da autonomia dos Tribunais de Contas Estaduais. É curioso observar que parece haver uma contradição nesse argumento, pois, conforme mencionado acima, a PEC 22/2017 prevê que o órgão competente para a uniformização da jurisprudência deveria ser uma Câmara de Uniformização de Jurisprudência, que funcionaria no âmbito do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), cuja criação também está prevista na citada PEC 22/2017. Ou seja, caso aprovada a PEC 22/2017, haveria, de igual modo, uma redução da autonomia dos Tribunais de Contas Estaduais. Portanto, segundo essa forma de ver a questão, as três PECs acima mencionadas reduzem a autonomia dos TCEs, pois o CNTC, se for criado, será um órgão da União, assim como é o TCU, cujas decisões terão de ser respeitadas pelos Tribunais de Contas. Em outras palavras, ou se reconhece a constitucionalidade dessa redução da autonomia dos TCEs, no tocante à interpretação de normas gerais, em favor de um órgão da União, seja o TCU ou qualquer outro, ou, por coerência, deve-se considerar inconstitucionais as três PECs, o que inclui a PEC 22/2017. Por outro lado, o modelo vigente compromete a máxima efetividade das normas gerais de finanças públicas, porquanto os entes subnacionais interpretam e aplicam essas normas de modo absolutamente dissociado da interpretação dada pela União. Trata-se de modelo que frustra a autonomia que a União deveria ter para fazer valer as normas gerais que edita. Pelo atual modelo é dar com uma mão, mas tirar com a outra. O que a cláusula pétrea do §4º do artigo 60 da Constituição Federal veda é a proposta de emenda à Constituição tendente a abolir a forma federativa de Estado. Isso significa que não é proibido aumentar ou reduzir a centralização de competências na União, desde que esse aumento ou redução não comprometa a forma federativa de Estado. Nesse sentido tem decidido o STF, segundo o qual as cláusulas pétreas não são absolutamente intangíveis, mas apenas o seu núcleo essencial.[2]… Read more »

Um cargo quase desconhecido

Recentemente, por indicação de um amigo, li o livro “Os Onze”, dos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, que relata bastidores da atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do Mensalão aos dias atuais. A leitura é agradável e a recomendo aos que se interessam em acompanhar a nossa vida pública. Numa passagem, é mencionada a obra do ex-ministro Aliomar Baleeiro que se referia ao Supremo como “o outro desconhecido”, registrando que àquela época o STF raramente era objeto de atenção da imprensa. A referência me recordou que o cargo que exerço, de Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas, também é objeto de grande desconhecimento. Só que, ao contrário daquele STF, esse desconhecimento tem se propagado por meio de inúmeras declarações e comentários públicos que terminam por desinformar as pessoas. Nosso cargo é centenário, tem natureza constitucional e exerce atribuições de judicatura. Exige prévia aprovação em concurso de provas e títulos, além de requisitos como formação acadêmica, experiência profissional e ficha limpa, ou seja, idoneidade moral e reputação ilibada comprovadas por um sem-número de certidões da Justiça Federal, Estadual, Militar etc. É centenário porque foi criado, no âmbito do TCU, em 1918, pela Lei 3.454. Recebeu o nome de Auditor do Tribunal de Contas, conforme a tradição da época, nomenclatura que foi mantida na Constituição de 1988. Como, nas últimas décadas, multiplicaram-se outros cargos como “auditor fiscal”, “auditor previdenciário” ou “auditor de controle”, a legislação federal hoje utiliza também a forma de Ministro Substituto e nos estados Conselheiro Substituto. Assim, o Auditor, cargo constitucional, não se confunde com os demais auditores, relevantes carreiras de Estado, responsáveis pelos trabalhos de fiscalização. Desde a sua gênese, os Ministros e Conselheiros Substitutos exercem atribuições de judicatura, isto é, presidem a instrução dos processos de controle externo, adotando diversas espécies de decisões monocráticas acerca da admissibilidade ou não de processos, notificações e citações de gestores e responsáveis pela aplicação de recursos públicos e emitindo julgamentos singulares e medidas cautelares. Além disso, também há mais de um século, os Substitutos são convocados a substituir os titulares nos órgãos colegiados, quando de sua ausência, por qualquer motivo, ou vacância, nos casos de morte, aposentadoria ou renúncia. Aí reside uma primeira confusão: os Substitutos substituem, mas não são reservas. Não é como no futebol que o reserva fica sentado no banco vendo o jogo e aguardando a oportunidade de entrar em campo, em caso de contusão ou necessidade tática. Enquanto não estão substituindo nos órgãos colegiados, os Substitutos trabalham normalmente presidindo e relatando milhares de processos de sua responsabilidade direta. Quando convocados, seu trabalho duplica. Outra confusão muito comum é imaginar que os Substitutos são de alguma maneira subordinados aos Ministros e Conselheiros titulares. Tribunal não é quartel em que o soldado bate continência ao cabo e assim por diante. Não há hierarquia nenhuma entre substitutos e titulares, apenas atribuições diferentes. Da mesma forma que o juiz de direito não é subordinado ao desembargador e o promotor não é subordinado ao procurador de justiça. Isso, aliás, está muito claro na própria Constituição. Tanto é assim que, quando convocado, o voto do Substituto no Pleno tem o mesmo peso do voto do titular. Outro dia, numa das declarações mais infelizes dos últimos tempos, afirmou-se que os titulares seriam como médicos habilitados a tratar dos gestores e os Substitutos não passariam de enfermeiras, qualificadas apenas para cuidados ambulatoriais. Sandice completa. Primeiro porque ignora e desmerece o papel da enfermagem. Segundo, porque desconsidera que os Substitutos precisam ser aprovados em dificílimos concursos públicos, com provas objetivas, discursivas, orais e de títulos em múltiplas disciplinas jurídicas, econômicas, contábeis e de administração pública, não sendo razoável atribuir-lhes uma qualificação técnica insuficiente ou limitada para o exercício de suas funções no controle externo. Mesmo em parte desconhecidos ou incompreendidos, os Ministros e Conselheiros Substitutos têm realizado um importante trabalho em prol de MT e do Brasil. Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT. E-mail: luizhlima@tce.mt.gov.br Fonte: https://www.rdnews.com.br/artigos/um-cargo-quase-desconhecido/119565?fbclid=IwAR1UDad2nUoGAKIOkd2eS11IRcIoanumEB0MEjl-UndHOU6YTUCk-QbeDyw

O papel dos órgãos de controle externo no combate à corrupção

Apontada pela sociedade como o principal problema do país, a corrupção está na raiz da ausência ou precariedade de serviços públicos de qualidade, especialmente educação, saúde, infraestrutura e segurança, apesar de termos carga tributária de 32,36% (dados de 2017), comparável à de países desenvolvidos de renda alta. Os tribunais de contas, com o auxílio do Ministério Público de Contas, são importantes órgãos para a prevenção e o combate à corrupção. Vivem, contudo, um paradoxo. Ao tempo em que contam com quadro técnico cada vez mais capacitado, sua composição, com predominância de membros de origem política, tem evidenciado o quanto a componente política é deletéria em sua atuação. Muito do que se apurou em grandes casos de corrupção teve início ou apoio dos tribunais de contas, mas muita corrupção também não se inibiu por omissão, leniência ou mesmo envolvimento de agentes desses órgãos. Os tribunais de contas fazem parte hoje, ao mesmo tempo, do problema e da solução. Para realizar o controle da administração pública, a Constituição Federal previu os tribunais de contas e o Ministério Público de Contas que atua perante essas cortes. Os outros ramos do Ministério Público brasileiro e o próprio Judiciário têm também a função de controle da administração pública, mas os tribunais de contas e o Ministério Público de Contas são dedicados exclusivamente a essa finalidade. Desafortunadamente, o mesmo mecanismo de ocupação política de cargos da administração ocorre também nos tribunais de contas e até mesmo no Poder Judiciário, com maior intensidade naqueles. Grupos políticos indicam integrantes do grupo ou simpatizantes para a função de fiscalizar a administração pública por eles governada. Por óbvio, isso conduz ao enfraquecimento da instituição, à omissão no dever de fiscalizar e à resistência a aplicar sanções e fazer os enfrentamentos necessários quando a vontade dos governantes afronta as leis. Não é por acaso que tantas interpretações que flexibilizam a Lei de Responsabilidade Fiscal surgiram em tantos estados da federação e que estes estados são os que têm contas em pior situação. A Constituição Federal outorgou aos tribunais de contas competências amplas. Em princípio, qualquer ato administrativo está sujeito ao seu controle, que pode examinar qualquer um de seus elementos de formação, como forma, autoridade competente, finalidade, conformidade com a lei e sua economicidade, com poder mandamental para determinar a correção de atos irregulares, conforme o artigo 71, inciso IX, da Constituição Federal que confere ao Tribunal de Contas da União poder para fixar prazo para o exato cumprimento da lei. O tribunal de contas tem, portanto, o poder de iniciar um procedimento de fiscalização, determinar o que entende como correto, com meios de fazer valer essa determinação ou de punir quem não a acatar. A Constituição Federal, no capítulo próprio do Ministério Público, em seu artigo 130, trata da existência de um ramo especializado do Ministério Público que atua perante os Tribunais de Contas, que para maior clareza, tem sido apropriadamente chamado de Ministério Público de Contas. Seus integrantes são selecionados mediante concursos públicos de provas e títulos, nos mesmos moldes dos demais concursos para os outros ramos do Ministério Público. Com as mesmas prerrogativas e impedimentos dos demais membros do MP brasileiro, o que os distingue é apenas o órgão perante o qual atuam e o largo campo de atuação, equivalente ao do Tribunal de Contas correspondente. Sua função é a mesma de qualquer órgão do Ministério Público, a defesa da ordem jurídica em nome da sociedade. O Ministério Público de Contas atua basicamente de duas formas: emitindo pareceres em processos iniciados pelo próprio tribunal de contas ou provocando o início de processos de fiscalização por meio de representações apresentadas aos tribunais de contas. A representação do MP de Contas corresponde à Ação Civil Pública do MP judicial. Para preparar suas representações, o MP de Contas pode promover investigações preliminares a partir da prerrogativa de requisitar informações diretamente aos órgãos e entidades jurisdicionados. Além dessas duas formas de atuação, o MP de Contas pode ainda, com espeque em sua independência funcional, expedir recomendações diretamente aos órgãos e entidades da administração, sem nenhuma necessidade de intermediação do tribunal de contas. Uma recomendação do MP de Contas pode produzir a correção de alguma conduta inadequada da administração pública, sem necessidade de instauração de processos, sempre mais demorados, por mais céleres que sejam. Naturalmente, as recomendações do MP de Contas não substituem a atividade dos tribunais de contas, até porque as recomendações, embora dotadas de grande persuasão e autoridade moral, não têm caráter mandamental como as determinações dos tribunais de contas. Em alguns estados, o Ministério Público de Contas atua ainda celebrando acordos com os jurisdicionados para adoção de medidas corretivas. São os chamados Termos de Ajustamento de Gestão (TAGs), instrumento análogo aos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) celebrados pelo MP judicial para superação de ilegalidades sem ajuizamento de ações cíveis. Por meio dos TAGs, são estabelecidas correções graduais de situações de ilegalidade, sem necessidade de autuação de processo de fiscalização por parte do tribunal de contas. Em outros estados, entretanto, são os próprios tribunais de contas que celebram TAGs, o que se afigura um contrassenso, uma vez que o órgão que pode mandar por meio de decisão colegiada não tem porque celebrar acordo, que existe justamente para substituir um processo e uma necessidade de decisão. É da tradição dos tribunais de contas, no curso de um processo, receber do gestor ponderações e propostas de adequação gradual de sua conduta, especialmente quando demonstrada que a solução necessária exigirá medidas e recursos não disponíveis, pelo menos integralmente. Essas propostas podem ser acolhidas pelos tribunais de contas por meio de acórdãos que fixam prazos para implementação das medidas, mas isso não transmuda o processo em TAG. Continua sendo um processo de controle externo com decisão mandamental de implementação de medidas para o exato cumprimento da lei. Por sua natureza preventiva, os TAGs devem ser celebrados pelo Ministério Público de Contas e, se descumpridos, dar azo a medidas sancionadoras perante os tribunais de contas. Por sua capilaridade, competências, quadro de auditores e poder… Read more »

Controle externo é arma da democracia

Luiz Henrique Lima Quando se fala em fortalecimento do controle da administração pública, a reação mais comum é negativa, ou, ao menos, desconfiada. Afinal, num país com longa tradição autoritária, a primeira interpretação é de que se está falando de controle pela administração pública. Nada mais equivocado. Enquanto instituições como a Receita exercem a fiscalização do Estado sobre atividades de pessoas físicas ou jurídicas, o controle exercido pelos Tribunais de Contas representa uma fiscalização da sociedade sobre os governantes, no que concerne às dimensões operacional, patrimonial, financeira, orçamentária e contábil da gestão dos recursos públicos. É, portanto, de clareza solar que é de grande interesse dos cidadãos e da democracia que este controle seja cada vez mais tempestivo e efetivo, sólido nos seus fundamentos técnicos e imparcial nos aspectos partidários-eleitorais. É também bastante evidente que a muitos não interessa que os TCs cumpram adequadamente sua nobre e relevante missão institucional. São os inimigos do controle democrático da administração. Em outra oportunidade pude descrevê-los: são os gestores incompetentes que não desejam que seu fracasso seja exposto; os gestores corruptos que querem encobrir as próprias falcatruas; e, finalmente, os gestores com alma de tiranos a quem repugna prestar contas e sofrer críticas ao seu desempenho. A esses, somam-se alguns néscios que, por ignorância política, estribam-se em falhas individuais para pregar a extinção das instituições de controle. Como sói acontecer, utilizam uma verborragia radical para camuflar seu despreparo, servindo como lacaios voluntários dos tiranos, corruptos e incompetentes. Duas são as estratégias favoritas dos inimigos do controle democrático. A primeira é a da captura. Significa articular a nomeação de ministros e conselheiros dos TCs comprometidos com interesses de grupos econômicos ou oligárquicos. Busca controlar de fora a própria instituição de controle, para que essa se autolimite no alcance de sua fiscalização, protegendo aliados, aliviando sanções e sacrificando o interesse público. O ápice dessa estratégia ocorreu no Rio de Janeiro, onde o ex-presidente do TCE confessou a existência de uma associação criminosa por ele mesmo liderada, com a participação de seis dos sete conselheiros, que se converteram em sócios gulosos da quadrilha chefiada pelo ex-governador Cabral. No RJ, a solitária e honrosa exceção foi a única conselheira que tinha origem técnica, previamente aprovada em concurso público, o que ajuda a compreender porque, em tantos estados, os conselheiros substitutos são vistos com desagrado pelos representantes da “velha guarda” e muitas vezes têm suas prerrogativas constitucionais limitadas. Tal estratégia, contudo, apresenta sinais de exaustão, à medida em que a opinião pública tem acompanhado com maior cuidado os processos de escolha de novos ministros e conselheiros e conseguido evitar nomeações vexatórias, como a do hoje condenado por corrupção ex-senador Gim Argello, indicado para ministro do TCU sob o patrocínio da ex-presidente da República, de quem foi um dos principais articuladores. Por isso, a estratégia alternativa tem sido empregada. Trata-se de buscar alterações legislativas ou em entendimentos jurisprudenciais que resultem em redução das competências dos TCs. Os exemplos são inúmeros, com destaque para as propostas de mudanças na lei de licitações que, a pretexto de reduzir formalismos burocráticos, intentam inviabilizar ações fiscalizatórias dos TCs, especialmente com a adoção de medidas cautelares, que nos últimos anos permitiram evitar bilhões de reais de prejuízo em contratos superfaturados ou projetos defeituosos. O próprio Supremo Tribunal Federal tem sido palco de embates, nem sempre com resultados positivos, como na decisão por seis votos a cinco que mitigou os efeitos da Lei da Ficha Limpa no que concerne à condenação por irregularidades nas contas de gestão municipais. Fortalecer o controle externo é bom para a democracia. Fonte: www.tce.mt.gov.br/artigo/show/id/338/autor/6

Artigo: Mais de Um Século de Controle Externo

Por Milene Cunha Este ano de 2018 é um ano de festa para o controle externo. No dia 17 de janeiro comemorou-se 125 anos da criação do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão idealizado e criado por Rui Barbosa e instituído pelo paraense Serzedelo Correa, com a missão de ser um “corpo de magistratura intermediária à Administração e à Legislatura que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional”, exercendo a função de “um mediador independente, auxiliar de um outro, que, comunicando com a legislatura e intervindo na administração, seja não só o vigia como a mão forte da primeira sobre a Segunda, obstando a perpetuação das infrações orçamentárias”, nas palavras do próprio Rui Barbosa. Já no dia no dia 06 de janeiro, celebrou-se 100 anos da criação do cargo de Auditor dos Tribunais de Contas, instituído pela Lei nº 3.454/1918, com a função de relatar os processos de contas perante o órgão julgador e de substituir os Ministros em suas ausências. Desde a gênese da criação do cargo, seus ocupantes possuíam as atribuições de uma judicatura especializada (de contas), sendo-lhes exigido profundos conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e de gestão pública. O cargo teve sua relevância acentuada com sua inserção expressa na Constituição Democrática de 1988. Apesar de seguir uma tradição histórica, é certo que, atualmente, a denominação Auditor já não se mostra a mais adequada ao cargo. Isso porque à época de sua criação, o nome Auditor remetia à acepção jurídica do termo, conforme registra o dicionarista De Plácido e Silva: tal vocábulo era o título por que se designavam juízes ou magistrados encarregados da aplicação de justiça em certo ramo ou espécie de jurisdição. Nas últimas décadas, com o predomínio das técnicas contábeis de origem anglo-saxã, que consagraram a auditoria como uma técnica de fiscalização contábil de ampla efetividade, a acepção contábil do termo “auditor” tem dominado o conceito, sendo empregada aos detentores dessas atribuições, o que acaba por gerar uma confusão entre cargos distintos, mas com denominação similar. No caso dos Tribunais de Contas, os auditores de controle externo (antes denominados de analistas de controle externo) são servidores que compõem o corpo técnico e instrutivo do órgão, cujas atribuições, embora também muito importantes, não se confundem com as dos centenários Auditores. Não por outra razão, a fim de manter a acepção jurídica e seguindo diretriz da Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas – ATRICON, o TCU adotou a denominação de Ministro-Substituto para se referir ao centenário cargo. Outros vinte e dois Tribunais de Contas também o fizeram, passando a designá-lo, no caso, de Conselheiro-Substituto, em similitude ao que ocorreu com os juízes do trabalho e juízes federais, que têm feito uso corrente da denominação de Desembargador do Trabalho e de Desembargador Federal para se referir àqueles que compõem os respectivos Tribunais Regionais. Essas considerações se fazem necessárias para levantar uma importante reflexão, qual seja, a de que mesmo passados 125 da existência de um órgão de controle externo, em pesquisa realizada pelo IBOPE em 2016, 68% da população entrevistada afirmou não saber o que é o Tribunal de Contas, nem o que ele faz. De igual modo, a atuação e o cargo de Ministro e Conselheiro Substituto, ainda que centenário, também é desconhecido por uma grande parcela da sociedade. Assim, o momento de festejar também é uma excelente oportunidade para discutir necessidades de aprimoramento ao tempo em que se demonstra a importante atuação dos Tribunais de Contas em favor da sociedade, bem como mostra o trabalho exercido pelos membros substitutos dos Tribunais de Contas, que ao lado dos titulares têm atuado em prol do fortalecimento do controle e da correta aplicação do recurso público. Milene Cunha é Conselheira Substituta do Tribunal de Contas do Estado Pará.