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A vaga que nunca existiu: Mais de três décadas se passaram desde a promulgação da Carta de 1988. A Bahia ainda deve ao país e a si mesma o cumprimento de um mandamento constitucional básico. O Supremo tem, mais uma vez, a chance de romper o ciclo da omissão

Há silêncios que pesam mais que palavras. E a omissão da Assembleia Legislativa da Bahia em criar o cargo de Auditor no Tribunal de Contas é um desses silêncios que ecoam há décadas, como se a Constituição de 1988 tivesse sido escrita para todos, menos para o Tribunal de Contas do Estado da Bahia. O Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, se vê diante de um dilema que não é apenas jurídico, mas também histórico. A Constituição Federal exige que os tribunais de contas tenham Auditores — os chamados Conselheiros Substitutos — para equilibrar a composição dessas cortes, dar-lhes pluralidade e assegurar a simetria com o modelo federal. Mas na Bahia, o assento reservado nunca saiu do papel. O tempo passou. Em 2021, o STF já havia declarado inconstitucional a prática de servidores técnicos substituírem conselheiros, e fixou prazo para a criação do cargo. O prazo se esvaiu. A omissão permaneceu. E agora, diante da morte de um conselheiro, o vazio institucional cobra resposta. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 87, o relator, ministro Dias Toffoli, reconheceu a mora legislativa, mas admitiu uma exceção: permitir ao governador preencher a vaga por livre nomeação. O ministro Flávio Dino, em voto divergente, também abriu espaço para a nomeação, mas apenas depois da aprovação da lei que cria os cargos. Duas leituras, duas portas entreabertas, ambas com o mesmo risco: transformar a exceção em regra, e a regra em letra morta. A Audicon, associação que representa os Auditores, alerta para o perigo iminente: se a vaga destinada a essa categoria for ocupada, ainda que provisoriamente, por indicação política, cria-se um precedente que não se fecha nunca mais. Outros estados poderão se inspirar na omissão baiana, e o que deveria ser transitório se tornará estratégia. O paradoxo é cruel: para suprir a ausência de Auditores, admite-se ignorar a razão pela qual eles deveriam existir. É como remediar o vazio com mais vazio, como se fosse possível consertar um silêncio com outro silêncio. O STF já enfrentou dilemas semelhantes. Em decisões anteriores, preferiu manter cadeiras vazias a permitir que fossem ocupadas por quem não tinha assento reservado pela Constituição. Como bem alertou o saudoso Ministro Sepúlveda Pertence quando do julgamento da ADI 3276/CE: “Ninguém vai morrer se o Tribunal de Contas do Ceará ficar com seis conselheiros. Agora, se Vossa Excelência deixar essa norma transitória, ela nunca se vai exaurir”. Essa firmeza obrigou estados relutantes a cumprir a lei. Foi assim no Ceará. Foi assim no Distrito Federal. Por que não seria assim na Bahia? Se há algo que a história ensina é que omissões, quando aceitas, tendem a se perpetuar. A cadeira destinada aos Auditores no TCE-BA é uma espécie de fantasma constitucional: todos sabem que existe, mas nunca foi ocupada. Agora, diante da oportunidade de corrigir o descompasso, o risco é que se insista em arranjos paliativos, que só adiam a solução e corroem a autoridade da própria Constituição. Mais de três décadas se passaram desde a promulgação da Carta de 1988. A Bahia ainda deve ao país e a si mesma o cumprimento de um mandamento constitucional básico. O Supremo tem, mais uma vez, a chance de romper o ciclo da omissão. A história cobrará se essa chance for desperdiçada. Por João Marcos Fonseca de Melo e Milene Cunha. Publicado no dia 21/08/2025, no Blog do Fausto Macedo, Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-vaga-que-nunca-existiu/ Disponível para download:

Quem matou o Pantanal? – por Luiz Henrique Lima

Quem matou o Pantanal? Essa é uma pergunta que será feita pelos nossos netos e bisnetos ao assistirem documentários sobre o que foi um dos mais belos biomas do planeta, rico em biodiversidade e absolutamente encantador para os que amam a natureza, a flora, os animais. Quem matou? Por que o fizeram? Como permitiram? Imagino a incredulidade, a revolta, a decepção e a tristeza das gerações vindouras, privadas de conhecer, visitar e viver nesse que foi um dos maiores patrimônios naturais que o homem destruiu. A resposta à pergunta talvez encontre paralelo numa das obras mais conhecidas da escritora inglesa Agatha Christie, talvez a mais lida de todos os autores de romances policiais. Trata-se de O Assassinato no Expresso do Oriente, livro de 1934 que mereceu várias adaptações para o cinema e que é considerado um verdadeiro clássico pela engenhosidade e sutileza da trama. Sem querer estragar a surpresa para um futuro leitor, uma das soluções apresentadas pelo detetive Hercule Poirot foi a de que todos os personagens eram suspeitos e todos os suspeitos eram culpados. É muito tentador encontrar um único culpado para a morte do Pantanal. Alguém com fisionomia de vilão e mente de psicopata como o ecocida que despejou de avião toneladas de veneno sobre milhares de hectares. É relativamente simples atribuir o agonizar do ecossistema a uma causa genérica, imperceptível e inimputável como “mudanças climáticas globais”. No entanto, tais respostas, embora parcialmente corretas, são apenas uma fração da verdade. Há uma pluralidade de razões e uma coletividade de culpados, por ações e omissões. Retornando à literatura, recordei-me de Hemingway que, na sua obra sobre a guerra civil espanhola, sentenciou: “Não perguntes por quem dobram os sinos; eles dobram por ti”. Não pergunte quem matou o Pantanal. Quem matou o Pantanal fomos nós. Fomos nós os que ateamos fogos para acelerar o desmate. Fomos nós os que substituímos as pastagens naturais. Fomos nós os que não investimos em saneamento nas cidades das bacias hidrográficas que alimentam o Pantanal. Fomos nós os que “flexibilizamos” a legislação ambiental e licenciamos garimpos e usinas hidrelétricas no entorno e no interior do bioma. Fomos nós os fascinados pelo discurso do crescimento econômico a qualquer custo. Fomos nós os que nos omitimos diante do desmonte dos órgãos ambientais e das unidades de conservação que só existem no papel. Fomos nós os que ignoramos os alertas de cientistas e ambientalistas. Fomos nós os que adiamos providências e medidas preventivas. Fomos nós os que discursamos em favor da transição energética e continuamos subsidiando termelétricas a carvão e planejando megainvestimentos em jazidas de combustível fóssil. Fomos nós os cidadãos que elegemos bancadas do boi, mas somos incapazes de eleger bancadas do bio. Somos nós os que devemos pedir perdão ao Pantanal e aos nossos netos e bisnetos.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro certificado e professor.

Conselheiro Substituto Pedro Henrique concede entrevista sobre os desafios inerentes ao cargo

A posse dos Conselheiros Substitutos representa um ato importante na busca pelo constante aprimoramento do controle externo em prol da sociedade, garantindo a composição plural dos Tribunais de Contas, além de agregar conhecimento técnico e permitir uma melhor distribuição da carga de trabalho. Aqui, você terá a oportunidade de conhecer um pouco mais do perfil de cada Conselheiro Substituto empossado e suas percepções sobre as expectativas e desafios inerentes ao cargo. Hoje, a entrevista é com o Conselheiro Substituto Pedro Henrique Bastos, do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás, empossado em 7 de dezembro de 2023. Redação – Conte-nos um pouco de sua formação e trajetória até ser aprovado no concurso para o cargo Conselheiro Substituto. Pedro Henrique – Sou formado em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Goiás, 2002. Tenho 4 (quatro) pós-graduações, sendo uma em auditoria contábil, uma em gestão pública, uma em controle externo e a última em auditoria financeira aplicada ao setor público. Na vida profissional, comecei minha jornada no escritório de contabilidade, no qual permaneci por 19 anos, até 2011, quando fui aprovado para exercer o cargo de Auditor Sênior na Infraero. No entanto, em menos de um ano, fui chamado para o cargo de Analista de Controle Externo no TCE Goiás, em abril de 2012. Permaneci no cargo até dezembro de 2023, quando fui nomeado, pelo TCM Goiás, no cargo de Conselheiro Substituto. Redação – Qual sua percepção da relevância do papel do cargo de Conselheiro Substituto no sistema de controle externo? Pedro Henrique – Quanto à relevância do cargo, penso ser essencial ao sistema de controle externo, visto que os Conselheiros Substitutos possuem, ao menos em tese, a devida qualificação técnica, dada sua aprovação em concurso público. No mais, podem contribuir de formas diversas, tanto exercendo sua função judicante, quanto no âmbito administrativo do Tribunal. Redação – Como você acredita que sua experiência pode contribuir para o fortalecimento e aprimoramento do controle externo? Pedro Henrique – Em linhas gerais, minha jornada envolveu essencialmente contabilidade, contas públicas e controle externo. Quanto ao sistema, imagino que minha experiência profissional e acadêmica possa contribuir, sim, para o fortalecimento e aprimoramento do controle externo, especialmente nos quesitos de apreciação e julgamento das contas públicas, para as quais espero, em consonância com o que temos de melhor no âmbito nacional e até internacional, analisar, senão até apresentar as melhores propostas, projetos e ferramentas que, de fato, se adequem às necessidades e contextos do Tribunal, não apenas copiando e colando, mas refletindo e criando mecanismos que possam subsidiar o julgamento das contas públicas, tanto por parte do Tribunal quanto por parte da sociedade. Redação – Na sua opinião, quais os principais desafios o controle externo brasileiro tem pela frente? Pedro Henrique – Além do perene desafio de melhor julgar as contas públicas, em minha opinião, o controle externo tem pela frente desafios que podem ser objetos de questionamento quanto à sua própria existência, dentre todos destaca-se, por ser, em essência, aquele que justamente fundamenta seu existir, a capacidade de demonstrar os benefícios gerados no exercício do controle externo em prol da sociedade. Lógico que, sem desmerecer aqueles voltados especificadamente para sua função competência, como o julgamento de contas, alicerçadas com todos os quesitos de controle, conformidade, desempenho e financeiro. Redação – Qual sua expectativa em relação a Audicon como associação que congrega os ministros e conselheiros Substitutos no âmbito nacional? Pedro Henrique – Como recém-associado, tenho expectativas positivas, não só de receber apoio e informações no tocante à carreira e do exercício do controle externo, mas também contribuir para o sistema, visto que as experiências e conhecimentos acumulados conjuntamente tem força maior para aprimorar o exercício do controle externo por parte das Cortes de Contas do Brasil.