Opinião
Devem os Tribunais de Contas homologar os Acordos de Leniência? – Por Alexandre Sarquis*
Existe uma interessante contribuição da Ciência Econômica para o Direito. Trata-se da “teoria dos jogos”, que pretende explicar comportamentos aparentemente irracionais observados na sociedade, intuindo a psicologia humana. Uma demonstração da teoria é o “dilema dos prisioneiros”. Dois criminosos são detidos, separados, interrogados e recebem a mesma oferta: uma confissão com incriminação do companheiro será recompensada com o relaxamento da sua ação penal. Imediatamente remói cada um dos prisioneiros, na intimidade de suas aflitas mentes criminosas, que se o parceiro ficar de boca fechada, a promotoria provavelmente terá um trabalho duro, pois, se não fosse necessária como prova, a confissão não apareceria na barganha. Por outro lado, se um deles delatar sem oposição do outro, o delator obterá o acordo e não será processado, apresentando a sua versão em juízo, o que aniquilará a defesa do parceiro. Qual a solução oferecida pela Ciência Econômica? Nessa situação hipotética e idealizada, a despeito do melhor curso de ação para ambos ser o silêncio (que é conhecido como “ótimo de Pareto”), o que ocorre é que delatam um ao outro (que é conhecido como “equilíbrio de Nash”). Tenho certeza de que Delegados de Polícia acompanham a verossimilhança da teoria todos os dias. Como a legislação encampou a teoria então? De muitas formas. Embora o expediente figure nas legislações de certos países há décadas, o emprego juridicamente moderno tem sido reconhecido como originário da operação “Mani Pulite”, célebre operação italiana que desbaratou a Máfia. Estas espécies de acordo entraram no cenário jurídico penal brasileiro com a Lei de Crimes Hediondos, de julho de 1990, mas houve também importante aplicação da teoria fora do campo criminal, inclusive no campo administrativo. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de julho de 1990, e o Código de Defesa do Consumidor, de setembro de 1990, ambos contemplaram a figura do Termo de Ajustamento de Conduta, que tem uma ideia similar de extração de confissões. Nele, aqueles que cometeram ato ilícito e tiveram evidências descobertas, podem evitar a apreciação de suas ações no judiciário mediante confissão e compromisso de alteração da conduta. O sucesso jurídico dos acordos, embora evidente, pode levar a abusos enganosos. A Administração Pública, afinal de contas, deve ser honesta, imparcial, transparente e implacável executora da Lei. Predileções e estratagemas quando visitam o seio da Administração Pública podem favorecer um balcão de negociações que importuna o equilíbrio dos poderes do Estado: 1 – O titular do direito de ação pode ser tentado a ameaçar a instauração de procedimento como meio para dissuadir a execução de atos que ele pessoalmente entenda incorretos, mas que não sejam pacificamente tidos como ilícitos em juízo. Assim, a própria ação judiciária passa a ser o elemento de barganha e não a punição que com ela poderia ser decretada. A ação judicial é percebida como cara, desprestigiosa e temida pelas pessoas, independentemente de seu desfecho. 2 – A transação deve ter lugar entre aqueles que são titulares dos direitos ali acertados, pois transação pressupõe a capacidade de disposição daquilo que se negocia. Em situação hipotética, por exemplo, não caberia ao Executivo desistir de punição da alçada do Ministério Público. A Constituição Federal distribuiu de forma definitiva os direitos entre os atores que criou. 3 – Uma transação no âmbito administrativo nunca deve ser desenhada ou conduzida de forma a que dificulte ou inviabilize uma outra negociação já iniciada, principalmente aquelas do Ministério Público, que devem assumir primazia. O agente a quem incumbe precipuamente satisfazer as pretensões punitivas do Estado é o Ministério Público. 4 – Por fim, não atende ao interesse público aceitar acordos simultaneamente com todos os comparsas, de forma a que todos gozem da imunidade que foi planejada como um custo indesejado, mas indispensável para administração da justiça. O acordo não pode travestir a concessão de indulto. O acordo de leniência introduzido pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), por exemplo. Em havendo provas suficientes para buscar as punições de que trata a Lei Anticorrupção, não há nenhum motivo para oferecer o acordo, basta aplicar as demais disposições da Lei. Por outro lado, em existindo conveniência e oportunidade para o negócio no âmbito administrativo, ele deve contar com o aval daquele que julga os atos de gestão que, no caso brasileiro, é o Tribunal de Contas. Nos EUA, em que o escândalo de Watergate deu origem à “Foreign Corrupt Practices Act” de 1977, e no Reino Unido, em que a “Bribery Act” foi marco em 2010, o titular do Controle Externo é a Controladoria-Geral. Talvez por esse motivo, a Lei Anticorrupção, que se inspirou nessas Leis, tenha posicionado na Controladoria-Geral da União e não no Tribunal de Contas da União a coordenação dos acordos da área administrativa. Naturalmente, no caso brasileiro, o TCU e o Congresso Nacional são, de qualquer forma, fiadores dos acordos firmados pelo Executivo. Qualquer outra interpretação da Lei é fulminada pela incompatibilidade com os arts. 74, § 1º e 71, IX da Constituição Federal de 1988. Não há como o Tribunal se eximir de apreciar um eventual acordo de leniência. É interessante recuperar o momento da edição da Lei. Pressionado pelas manifestações de 2013, o Governo buscou responder rapidamente. No quesito “corrupção”, ao invés de buscar maior aplicação de Leis existentes ou de desembaraçar e aperfeiçoar a ação das instituições constitucionalmente incumbidas do combate, apoiando os projetos que elas possuem, optou por apressar a edição da nova Lei sobre o assunto. Assim, a Lei Anticorrupção passou a coexistir com o Controle Interno, os Tribunais de Contas, os Termos de Ajustamento de Conduta, a Lei de Improbidade Administrativa, os Crimes de Responsabilidade e os Crimes Comuns contra a administração. A bem da verdade, estratégia parecida já funcionou no passado. Reunindo uma série de disposições que, de uma forma ou de outra, já existiam esparsamente na legislação, e indo aos limites da constitucionalidade, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) buscou inspiração na legislação de um país de tradição anglo-saxã, alcançando grande sucesso. A LRF… Read more »
RECOMENDAR OU DETERMINAR??? – por ALIPIO REIS FIRMO FILHO
RECOMENDAR OU DETERMINAR??? É comum vermos os tribunais de contas dirigindo recomendações aos órgãos/entidades públicos para que observem esta ou aquela legislação. Há recomendações de todo gênero: para que não realizem despesas sem prévio empenho; para que realizem concursos públicos; para que não incorram em fracionamentos de despesa, etc. Refletindo sobre esse procedimento, vejo que precisamos evoluirnesse terreno. Nos quinze anos que passei no Tribunal de Contas da União sempre aprendi que recomendações e determinações não se confundem. São institutos distintos. Aliás, muito distintos!. A começar pelas definições de um e de outro institutos nos dicionários. Os dicionaristas costumam definir o termo recomendar como sinônimo de “aconselhamento” ou, ainda, “encarregar (alguém) insistentementepara que cumpra uma tarefa ou atividade”. Bastam estas duas exemplificações para concluirmos que o termo (recomendar) carrega consigo um forte conteúdo de voluntariedade. Em outras palavras, quem recebe uma recomendação poderá ou não acatá-la visto que se trata apenas de um aconselhamento, isto é, algo sujeito à esfera da discricionariedade de seu destinatário. Nesse caso, o não acatamento do que foi recomendadonão poderá ser censurado por quem proferiu a recomendação uma vezque seu destinatário optou (legitimamente) por uma das duas únicas soluções postasà sua disposição, qual seja, a de não acatar o que foi a ele recomendado. Afinal de contas, trata-se tão-somentede uma recomendação. Nada mais. O mesmo não podemos afirmar dasdeterminações. Ao contrário das recomendações, elas encerram um conteúdo genuinamente imperativo. Não haveria saída para seus destinatários: apenas cumpri-las e pronto. Eventual descumprimento conduziria a alguma crítica, penalidade, restrição ou coisa do gênero. A omissão (ou ação) estaria sujeita, portanto, a reprimendas. Quando transporto essa concepção para o universo de atuação dos tribunais de contas, a distinção ganha singular importância. Aqui, as consequências jurídicas merecem uma maior reflexão. Recomendações encerram conselhos dirigidos à omitimização da gestão, possui um caráter menos obrigatório, na qual, a Administração poderá se valer de juízo de conveniência e oportunidade na aplicação das condutas recomendadas diz acertadamente a Consultoria Zênite ao analisar um questionamento vazado nos seguintes termos: qual a diferença prática e também teórica entre as determinações e as recomendações expedidas pelo Tribunal de Contas da União? (Ano XVI, n. 179, Janeiro 2009). É preciso ter em mente que as recomendações estão relacionadas à adoção de critérios de conveniência e oportunidade por parte dos administradores públicos. Ou seja, as recomendações devem ser formuladas (pelos tribunais de contas) sempre que o ato de gestão avaliado tratar-se de atos discricionários. Talvez alguns exemplos sejam mais claros: Situação 1: o tribunal de contas vai a campo e ao analisar os atos de gestão de seus jurisdicionados conclui que seria bastante oportuno que um deterinado órgão ou entidade adotasse um planejamento estratégico, pois isso certamente poderia coibir a proliferação de certas e determinadas irregularidades. Como tudo se resove no plano das possibilidades (a adoção do planejamento estratégico poderá ajudar não sendo certo, contudo, que isso de fato irá acontecer) a recomendação seria a ferramenta mais legítima a ser dirigida ao jurisdicionado, nestes termos: recomendar ao órgão/entidade “X” que avalie a possibilidade de adoção do planejamento estratégico como ferramenta de gestão. Nessa situação específica, a adoção da recomendação ao invés de uma determinação também decorre do fato de o planejamento estratégico não está definido na legislação como de adoção compulsória pelos administradores públicos. Ele é apenas mais uma ferramenta de gestão posto à disposição do setor público para alcançar os seus objetivos, melhorar a prestação dos serviços públicos, e assim por diante. É evidente que se houver uma legislação prevendo, de forma imperativa, que os gestores adotem o planejamento estratégico como instrumento de gestão, então, na hipótese dada, não haverá espaço para uma recomendação, mas para uma determinação. Situação 2: outro bom exemplo é quando um tribunal de contas recomenda a aprovação/desaprovação das contas do governador. Todos sabem que são os legislativos estaduais que possuem competência para julgarem as contas apresentadas pelo governador. Em sua análise, certamente que as assembleias legislativas levarão em consideração as observações oferecidas pelo tribunal de contas respectivo. Tais observações, todavia, não possuem natureza imperativa, mas opinativa. Conquanto emanem de um organismo especializado, não possuem natureza determinativa. Por isso situam-se no plano das recomendações. Já deu pra perceber que diante das recomendações o gestor público possui uma grande margem de escolha. A recomendação mostra-se apenas como um indicativo, uma sugestão de direção a ser tomada. Nada mais. Caberá ao cada administrador tomar a sua própria decisão, acatando ou não a recomendação proposta. Isso não se dá com as determinações. Conforme outrora dito, sua natureza é determinativa. Seu destinatário não terá qualquer condição de optar. Ou cumpre, ou cumpre. Vejamos duas hipóteses que ilustram muito bem esse contexto: Hipótese 1: o tribunal vai a campo e constata que um órgão costuma adotar tomadas de preços no lugar de suas concorrências. Ora, sabemos que essa conduta é vedada pela lei de licitações e contratos uma vez que ela restringe o caráter competitivo do certame. Nesta hipótese o ato é vinculado. Não há margem para discricionariedade. Havendo viabilidade de competição e se não for caso de dispensa de licitação, o gestor deverá realizar adotar a modalidade da concorrência (desde que, obviamente, o valor do objeto licitado se situe dentro da faixa autorizativa dessa modalidade licitatória). Hipótese 2: o tribunal vai a campo e constata que um determinado órgão/entidade não realiza o inventário anual de seus bens. Também aqui se trata de um imperativo legal. Todo gestor público, ao final de cada exercício, deve fazer o levantamento de seus bens. Como na situação anterior, não há margem de opção por parte do gestor. Ele terá que realizar o inventário de seus bens. Nas hipótesesdadas, não há como o tribunal recomendar que o gestor público adote a modalidade da concorrência e/ou proceda ao inventário de seus bens. Do contrário, é como se admitíssemos também que o administrador pudesse optar por não realizar qualquer dos procedimentos. Muito pelo… Read more »