Opinião

Riscos para a previdência pública – por Luiz Henrique Lima

  O Regime Próprio de Previdência Social – RPPS é o regime de previdência, criado por lei, no âmbito de cada ente federado, destinado a assegurar aos servidores titulares de cargo efetivo, pelo menos, os benefícios de aposentadoria e pensão por morte previstos no art. 40 da Constituição da República. Os RPPS são regulados pela Lei no 9.719/1998, alcunhada de Lei Geral da Previdência no Serviço Público, que dispõe sobre regras gerais de organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências.   A partir da edição da Lei nº 9.717 e até 2014 foram constituídos 2.181 RPPS no Brasil, abrangendo as esferas federal, estadual, distrital e municipal. Em Mato Grosso, há 102 RPPS.   Atualmente, 5,3 milhões de servidores públicos são contribuintes ativos dos RPPS estaduais e municipais e seus potenciais beneficiários no futuro e há 2,4 milhões de aposentados e pensionistas beneficiários da previdência própria. Na esfera da União são 644 mil participantes civis com 355 mil aposentados e 317 mil pensionistas e 519 mil servidores militares ativos e inativos e 669 mil pensionistas.   Todas essas famílias têm no respectivo RPPS a principal, e muitas vezes a única, fonte de rendimentos na velhice, além do que renunciam compulsoriamente a naco relevante de seu consumo atual em favor do financiamento de sua inatividade, cuja intermediação foi entregue constitucionalmente ao Estado. Possuem, portanto, interesse direto na gestão proba, eficiente, prudente e segura dos valores que irão assegurar sua subsistência quando não mais dispuserem de capacidade laboral. Para essa significativa parcela de brasileiros, trata-se de tema de máxima relevância.   O assunto também diz respeito a quem não é servidor público, pois problemas na gestão dos recursos previdenciários afetam a economia como um todo e podem gerar graves impactos nas contas governamentais.   Aliás, é muito expressiva a dimensão dos ativos sob a administração dos RPPS. Em 2013, apenas nas esferas estadual e municipal, o valor alcançou R$ 175 bilhões, dos quais R$ 72,4 bilhões aplicados em renda fixa, R$ 6,6 bilhões em renda variável e R$ 92,6 bilhões em ativos vinculados por lei aos RPPS. Referido montante é superior ao valor das disponibilidades somadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios depositadas em Fundos de Aplicação Financeira, e que em 2013 representavam R$ 65 bilhões, conforme consolidação no Balanço do Setor Público Nacional.   Naturalmente, tanto dinheiro desperta a cobiça de quadrilhas especializadas no assalto aos cofres públicos. Nos últimos anos, diversas operações da Polícia Federal, como a Miquéias e a Fundo Falso, identificaram crimes perpetrados contra RPPS, principalmente na esfera municipal, a partir de aplicações inidôneas, geradoras de prejuízos milionários. Procedimentos semelhantes foram observados nos fundos de pensão de empresas estatais federais, como o Petros, Funcef, Postalis e Previ, com dezenas de bilhões de reais em perdas patrimoniais.   Em recente fiscalização efetuada pelo TCU, foram identificados importantes riscos na gestão dos RPPS, como a sustentabilidade do regime previdenciário, traduzido em situações de déficits atuariais e financeiros expressivos; as irregularidades na concessão de benefícios, devido à fragilidade de controles nos sistemas de informação utilizados; a dificuldade de fiscalização da gestão de investimentos; e o baixo índice de recuperação de créditos previdenciários.   A propósito, no próximo dia 15 de março, será lançado em Cuiabá o livro Controle Externo dos Regimes Próprios de Previdência Social, obra coletiva de ministros e conselheiros substitutos dos tribunais de contas. Há um capítulo de minha autoria e outro do colega Ronaldo Ribeiro, também Conselheiro Substituto do TCE-MT. Será às 12:00 no saguão do edifício Marechal Rondon, sede do TCE-MT. Estão todos convidados.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

Contas públicas em tempos de crise – por Luiz Henrique Lima

  A crise econômica e política que vive o Brasil aumentou o interesse pelos julgamentos das contas públicas pelos Tribunais de Contas, assim como pelas conclusões de seus trabalhos técnicos de fiscalização da gestão governamental. Há, todavia, muita desinformação, gerando expectativas as mais diversas e irreais, em boa medida porque, das instituições republicanas, as Cortes de Contas são as mais desconhecidas e menos estudadas, inclusive no meio acadêmico e no mundo jurídico.   Os TCs não são uma invenção brasileira ou um modismo recente. No Brasil, foram criados em 1890, logo após a instalação da República, inspirados no modelo francês instituído por Napoleão em 1807. Desempenham uma função essencial à democracia que é o controle externo da administração pública. Hoje existem Cortes de Contas em dezenas de nações, inclusive na União Europeia.   É preciso sempre sublinhar que os TCs não julgam pessoas, mas sim contas, ou seja, atos de gestão envolvendo recursos públicos, sob os prismas orçamentário, contábil, financeiro, patrimonial e operacional. Os TCs não julgam crimes ou contravenções penais, nem decidem sobre atos de improbidade administrativa. Tais competências são do Poder Judiciário. Apesar do nome, os Tribunais de Contas não pertencem ao Judiciário. Tampouco são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, embora com ele possuam estreita relação de colaboração e complementaridade de atuação.   Na organização estatal, posicionam-se como órgãos autônomos a serviço da sociedade, cujas competências e prerrogativas são expressamente fixadas na Constituição. Fiscalizam todos os poderes e órgãos públicos, não se subordinando a nenhum. Devem zelar não somente pela legalidade, mas também pela legitimidade e economicidade. Não cuidam apenas de aspectos formais, mas da qualidade do gasto público, expressa em indicadores de resultados de políticas públicas.   Os TCs não condenam gestores à prisão, embora possam aplicar sanções de restituição de valores, multas, indisponibilidade de bens, declaração de inidoneidade e inabilitação para o exercício de cargos públicos. Ademais, com base nas informações e análises resultantes de sua atuação fiscalizatória, o Ministério Público promove ações penais que podem conduzir a sentença judicial de prisão do responsável. Outra consequência possível da rejeição das contas é a inelegibilidade do gestor, que passa a ser “ficha-suja”.   Muitos confundem contas de governo e contas de gestão. Nas contas de governo, o TC emite um parecer prévio, de natureza técnica, pela aprovação ou rejeição, mas o julgamento definitivo é do Poder Legislativo. Nas contas de gestão, quem julga é o próprio TC. Sobrepreço num contrato ou fraude numa licitação são analisados nas contas de gestão. Desrespeito aos limites constitucionais de gastos em saúde e educação os aos limites de gastos com pessoal e endividamento são objeto das contas de governo. As contas de governo envolvem a responsabilidade do Chefe do Executivo acerca dos macrorresultados das políticas públicas. As contas de gestão alcançam uma multiplicidade de responsáveis pelas ações setoriais e pontuais da administração. Nem sempre um parecer favorável nas contas de governo corresponde a um julgamento pela regularidade das contas de gestão e vice-versa.   No momento, discute-se a possibilidade do TCU emitir parecer prévio contrário às contas de 2014 da presidente da República em virtude de inúmeras irregularidades apontadas na gestão fiscal. O curioso é que o Congresso Nacional não julga as contas de governo desde 2001. Em tese, a rejeição das contas pelo Poder Legislativo pode fundamentar um processo de impeachment.   Um dos principais obstáculos a uma fiscalização mais efetiva pelos TCs é a invocação, por exemplo, pela Petrobras e pelo BNDES, de um sacrossanto sigilo bancário, fiscal, comercial etc., utilizado como pretexto para negar dados às auditorias. Em Mato Grosso, argumentos semelhantes foram utilizados para negar transparência aos incentivos fiscais concedidos pelo estado. Trata-se de um absurdo já condenado pelo STF, pois não pode haver sigilo na aplicação de recursos ou na renúncia de receitas públicas, porém não são poucas as manobras daqueles que se pretendem imunes ao controle da sociedade.   Outro aspecto é a inexistência de um órgão nacional que normatize e discipline a atuação dos 34 TCs existentes no país, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça em relação ao Poder Judiciário. A proposta de criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas vem sendo debatida há anos, mas sem decisão pelo Congresso. Enquanto isso, não há uma Corregedoria nacional que processe infrações ético-disciplinares de membros dos TCs.   Uma das maiores críticas à atuação dos TCs é o critério previsto para escolha de ministros e conselheiros, que tem gerado diversas indicações polêmicas, em que a avaliação da capacidade técnica do futuro magistrado de contas é sobrepujada pela afiliação a grupos de interesses político-partidários. Questiona-se se tal composição influenciaria decisões, tornando-as menos rigorosas e técnicas. Nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais, 80% dos desembargadores são oriundos da magistratura concursada, que nos TCs corresponde aos conselheiros substitutos. Já nas Cortes de Contas ocorre o inverso, pois a previsão é de que apenas um entre sete conselheiros seja escolhido dentre os conselheiros substitutos concursados, e mesmo assim em diversos TCs ainda não foi efetivada essa solitária presença. Note-se que na Cour des Comptes francesa, que inspirou a criação dos TCs brasileiros, assim como na totalidade dos TCs europeus, a grande maioria dos magistrados tem origem na carreira especializada da magistratura de contas.   Eis alguns importantes debates para o aprimoramento do controle externo brasileiro.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

Devem os Tribunais de Contas homologar os Acordos de Leniência? – Por Alexandre Sarquis*

  Existe uma interessante contribuição da Ciência Econômica para o Direito. Trata-se da “teoria dos jogos”, que pretende explicar comportamentos aparentemente irracionais observados na sociedade, intuindo a psicologia humana. Uma demonstração da teoria é o “dilema dos prisioneiros”. Dois criminosos são detidos, separados, interrogados e recebem a mesma oferta: uma confissão com incriminação do companheiro será recompensada com o relaxamento da sua ação penal.   Imediatamente remói cada um dos prisioneiros, na intimidade de suas aflitas mentes criminosas, que se o parceiro ficar de boca fechada, a promotoria provavelmente terá um trabalho duro, pois, se não fosse necessária como prova, a confissão não apareceria na barganha. Por outro lado, se um deles delatar sem oposição do outro, o delator obterá o acordo e não será processado, apresentando a sua versão em juízo, o que aniquilará a defesa do parceiro.   Qual a solução oferecida pela Ciência Econômica? Nessa situação hipotética e idealizada, a despeito do melhor curso de ação para ambos ser o silêncio (que é conhecido como “ótimo de Pareto”), o que ocorre é que delatam um ao outro (que é conhecido como “equilíbrio de Nash”). Tenho certeza de que Delegados de Polícia acompanham a verossimilhança da teoria todos os dias.   Como a legislação encampou a teoria então? De muitas formas. Embora o expediente figure nas legislações de certos países há décadas, o emprego juridicamente moderno tem sido reconhecido como originário da operação “Mani Pulite”, célebre operação italiana que desbaratou a Máfia.   Estas espécies de acordo entraram no cenário jurídico penal brasileiro com a Lei de Crimes Hediondos, de julho de 1990, mas houve também importante aplicação da teoria fora do campo criminal, inclusive no campo administrativo. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de julho de 1990, e o Código de Defesa do Consumidor, de setembro de 1990, ambos contemplaram a figura do Termo de Ajustamento de Conduta, que tem uma ideia similar de extração de confissões. Nele, aqueles que cometeram ato ilícito e tiveram evidências descobertas, podem evitar a apreciação de suas ações no judiciário mediante confissão e compromisso de alteração da conduta.   O sucesso jurídico dos acordos, embora evidente, pode levar a abusos enganosos. A Administração Pública, afinal de contas, deve ser honesta, imparcial, transparente e implacável executora da Lei. Predileções e estratagemas quando visitam o seio da Administração Pública podem favorecer um balcão de negociações que importuna o equilíbrio dos poderes do Estado:   1 – O titular do direito de ação pode ser tentado a ameaçar a instauração de procedimento como meio para dissuadir a execução de atos que ele pessoalmente entenda incorretos, mas que não sejam pacificamente tidos como ilícitos em juízo. Assim, a própria ação judiciária passa a ser o elemento de barganha e não a punição que com ela poderia ser decretada. A ação judicial é percebida como cara, desprestigiosa e temida pelas pessoas, independentemente de seu desfecho.   2 – A transação deve ter lugar entre aqueles que são titulares dos direitos ali acertados, pois transação pressupõe a capacidade de disposição daquilo que se negocia. Em situação hipotética, por exemplo, não caberia ao Executivo desistir de punição da alçada do Ministério Público. A Constituição Federal distribuiu de forma definitiva os direitos entre os atores que criou.   3 – Uma transação no âmbito administrativo nunca deve ser desenhada ou conduzida de forma a que dificulte ou inviabilize uma outra negociação já iniciada, principalmente aquelas do Ministério Público, que devem assumir primazia. O agente a quem incumbe precipuamente satisfazer as pretensões punitivas do Estado é o Ministério Público.   4 – Por fim, não atende ao interesse público aceitar acordos simultaneamente com todos os comparsas, de forma a que todos gozem da imunidade que foi planejada como um custo indesejado, mas indispensável para administração da justiça. O acordo não pode travestir a concessão de indulto.   O acordo de leniência introduzido pela Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), por exemplo. Em havendo provas suficientes para buscar as punições de que trata a Lei Anticorrupção, não há nenhum motivo para oferecer o acordo, basta aplicar as demais disposições da Lei. Por outro lado, em existindo conveniência e oportunidade para o negócio no âmbito administrativo, ele deve contar com o aval daquele que julga os atos de gestão que, no caso brasileiro, é o Tribunal de Contas.   Nos EUA, em que o escândalo de Watergate deu origem à “Foreign Corrupt Practices Act” de 1977, e no Reino Unido, em que a “Bribery Act” foi marco em 2010, o titular do Controle Externo é a Controladoria-Geral. Talvez por esse motivo, a Lei Anticorrupção, que se inspirou nessas Leis, tenha posicionado na Controladoria-Geral da União e não no Tribunal de Contas da União a coordenação dos acordos da área administrativa.   Naturalmente, no caso brasileiro, o TCU e o Congresso Nacional são, de qualquer forma, fiadores dos acordos firmados pelo Executivo. Qualquer outra interpretação da Lei é fulminada pela incompatibilidade com os arts. 74, § 1º e 71, IX da Constituição Federal de 1988. Não há como o Tribunal se eximir de apreciar um eventual acordo de leniência.   É interessante recuperar o momento da edição da Lei. Pressionado pelas manifestações de 2013, o Governo buscou responder rapidamente. No quesito “corrupção”, ao invés de buscar maior aplicação de Leis existentes ou de desembaraçar e aperfeiçoar a ação das instituições constitucionalmente incumbidas do combate, apoiando os projetos que elas possuem, optou por apressar a edição da nova Lei sobre o assunto. Assim, a Lei Anticorrupção passou a coexistir com o Controle Interno, os Tribunais de Contas, os Termos de Ajustamento de Conduta, a Lei de Improbidade Administrativa, os Crimes de Responsabilidade e os Crimes Comuns contra a administração.   A bem da verdade, estratégia parecida já funcionou no passado. Reunindo uma série de disposições que, de uma forma ou de outra, já existiam esparsamente na legislação, e indo aos limites da constitucionalidade, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) buscou inspiração na legislação de um país de tradição anglo-saxã, alcançando grande sucesso. A LRF… Read more »

A luta pelos tribunais de contas – por Alexandre Sarquis*

  Sou um membro de Tribunal de Contas e cheguei a essa condição por meio de um concurso público de provas e títulos que eu considerei duríssimo. Não é todo mundo que sabe da existência de membros concursados nos Tribunais. Então explico. Há duas categorias de membros, uma delas de concursados, os Auditores, que, no entanto, podem menos em relação à segunda classe, a dos Conselheiros, que dão a palavra final em processos e na direção do órgão.   Eles são indicados. Todos nós, no entanto, cumprimos cinco condições: reputação ilibada, idoneidade moral, notórios conhecimentos de administração pública, 10 anos de carreira e 35 anos de idade.   Embora os atritos entre Auditores e Conselheiros sejam frequentes, sinto-me lisonjeado por essa ordem de coisas. Já dividi bancada com Constituintes, membros distintos do Ministério Público, Presidentes de Assembleia, autores consagrados, servidores com décadas de serviço público prestado, técnicos e políticos experientes. Enquanto essas pessoas já têm as suas histórias escritas, eu vou rascunhando a minha.   Costumo dizer que sou político também. Espero que aqueles que cravaram o adjetivo por meio do voto, trilha mais honrosa e legítima, não se ofendam comigo. Se perguntarem quando é que me tornei político, vou responder que não sei dizer se houve momento exato, mas soube quando estava feito. Foi um misterioso e surdo trabalho de crisálida. Estar no Tribunal de Contas certamente precipitou a convolação.   Já ouvi quem dissesse que a Lei deveria ser reformada para dificultar o acesso, referindo-se à entrada de políticos. Tento nunca assimilar reclamações como ofensa pessoal, mesmo porque quando o cidadão formula crítica ao servidor público deve-se ter presente que quem fala é o patrão, mas, pensando ter exaurido o que me incumbe, cheguei a algumas conclusões.   Em primeiro lugar, vejo que a sociedade não se interessa pelas seleções de Conselheiros. A escolha de um Ministro do TCU, por exemplo, é dos eventos mais raros da Esplanada, nada obstante, pouco comenta-se na imprensa.   Ninguém faz campanha aberta para o posto, é algo da intimidade do poder. Ninguém pergunta para jornalista, professor ou especialista se fulano ou beltrano é bom, vai mais da relação de quem quer ser com quem pode indicar.   Raramente são considerados servidores do quadro ou Membros de Tribunais Estaduais. E olha que isso tudo para investir alguém no xerifado da probidade administrativa, que é o bem mais caro à sociedade brasileira. Em suma, com todo o respeito, a culpa também é de quem reclama, se dá de ombros para a escolha.   Em segundo lugar, as denúncias sobre membros são, em boa parte, imprecisas, genéricas ou mordazmente estendidas a todos da categoria. Há pressão para que ninguém reclame da generalização, pois quem não deve não teme, mas o fato é que os piores acabam protegidos pela percepção difusa sobre a qualidade do quadro. A incerteza e a falta de julgamento os torna, por fim, incógnitos, em um borrado indistinguível entre os demais, que confundem-se. Talvez os acusados desejem retardar os seus julgamentos, mas os demais membros merecem um julgamento pronto e isento daqueles que são acusados. Sem um Tribunal de Contas dos Tribunais de Contas, e esta é a proposta do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, não há como dizer joio de trigo.   O Tribunal de Contas não é sistemas, edifícios ou documentos, ele é essencialmente pessoas. Cada vez que uma pessoa merecedora entra, sinto-me mais digno, cada vez que uma pessoa não merecedora entra ou permanece, sinto-me menos. E assim, independentemente de meu esforço pessoal, flutua o meu acervo moral. Que fazer? Só me é dada a marcha, e se me apego à ideia de que o que faço faz diferença, é porque creio que o caminho do justo é como luz da alvorada, que brilha mais e mais até ser dia perfeito.   Recentemente ouvi o advogado Marcelo Harger citar o Pastor Luterano Martin Niemöller:   “Quando os nazis vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata. Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista. Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu. Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.”   Espero ser bem compreendido, pois não tenho a intenção de comparar ninguém de antes a ninguém de agora.   Interessa-me apenas fazer alusão a ideia de que a paz é alcançada quando todos brigam por todos, pois cidadania não é somente dar a cada um o que é seu, é não permitir que outros tomem o que não é deles.   O papel constitucional de fiscalizar a regular aplicação dos recursos públicos é dos Tribunais de Contas. Por que a sociedade não bate à porta deles para exigir que eles sejam tudo que ela anseia? Por que não exige que apenas notáveis críticos da administração pública entrem? Quais são as sugestões do próprio sistema de Tribunais de Contas para melhorar a sua ação? Elas são possíveis de atendimento?   Sempre achei que as revoltas do ano passado reclamavam por mais Controle Externo, mas, antes, tínhamos uma turba inumerável de vozes na sociedade reclamando atenção. Recentemente, no entanto, dividiram-se e opuseram-se. Espero que essa cisma centelhe energia suficiente a eletrocutar as instituições de volta aos seus ânimos democráticos. Um grande político disse recentemente que ao vitorioso é negada a soberba, e, a quem perde, é negado o rancor. Concordo com ele, pois a acomodação é o aparato de violência que nos oprime e nos distancia da paz, que somente é possível através da incessante luta pelo Direito.   *Alexandre Manir Figueiredo Sarquis é Conselheiro Substituto do TCE-SP  

Conselheiros para servir a quem? – por Luiz Henrique Lima

  Conselheiros para servir a quem?   Luiz Henrique Lima   “Nomear um mau juiz equivale a chamar ao templo um mau sacerdote, dotar a igreja de um mau pontífice. Se há expiações eternas, ninguém as merece mais do que o sacrílego autor de tal atentado. Um funcionário incapaz estraga a administração. Um juiz indigno corrompe o direito, ameaça a liberdade e a fortuna, a vida e a honra de todos, ataca a legalidade no coração, inquieta a família, leva a improbidade às consciências e a corrupção às almas.” (Ruy Barbosa, As ruínas da Constituição)   A advertência de Ruy Barbosa, considerado o patrono dos Tribunais de Contas brasileiros, deveria ser objeto de reflexão por parte dos responsáveis pela escolha de conselheiros nos TCs. Às vésperas das convenções partidárias para escolha de candidatos e formação de alianças eleitorais, assistiu-se no Brasil a uma sequência de aposentadorias antecipadas de conselheiros, associadas a negociações em que o preenchimento de vagas obedeceu a conveniências de grupos partidários. Na Bahia, por exemplo, foram indicados três conselheiros de uma só vez, cada um oriundo de uma das facções que dão sustentação parlamentar ao governo local. Em outros estados, do Sul ao Nordeste, tem sido frequente a indicação para cargos de conselheiros de pessoas da intimidade de autoridades, sem maior comprovação de cultura jurídica ou conhecimentos de finanças públicas indispensáveis para os futuros julgadores das contas governamentais. A imprensa nacional tem registrado ostensivas barganhas envolvendo acordos para vagas futuras, até mesmo no TCU.   É curioso que o fenômeno ocorra na contramão do sentimento generalizado que exige maior efetividade na atuação dos órgãos de controle externo, especialmente na prevenção de danos ao erário e na responsabilização dos que fazem mau uso do dinheiro público. Tal efetividade somente será concretizada com o aprimoramento técnico das Cortes de Contas, inclusive de seus julgadores, e consequentemente de suas decisões.   Somente haverá justiça quando o magistrado de contas desempenhar suas funções com independência, serenidade e imparcialidade. Imparcialidade implica estar imune a paixões partidárias ou preferências pessoais e despido de quaisquer preconceitos. Serenidade significa o equilíbrio na formulação dos votos, observando o devido processo legal e o amplo direito de defesa. Independência exige o zelo pela dignidade do cargo, sujeitando-se tão somente às deliberações dos Colegiados. Para alcançar tais objetivos, a Constituição previu que os membros dos TCs, além de satisfazer requisitos de idade e nacionalidade, deveriam possuir idoneidade moral e reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e de administração pública, bem como mais de dez anos de exercício de função ou atividade profissional que exija tais conhecimentos.   Será que, no afã de contemplar interesses diversos, tais requisitos estão sendo devidamente observados? Será que as escolhas têm privilegiado os melhores nomes capazes de servir à sociedade? Por que as indicações têm sido restritas a conciliábulos em vez de um processo transparente em que cidadãos qualificados pudessem submeter seus nomes ao exame das autoridades responsáveis pela escolha?   Seria oportuno que todos os candidatos à presidência da República e aos governos estaduais, bem como ao Legislativo, assumissem o compromisso de aprimorar o método de escolha dos futuros ministros e conselheiros dos TCs, cumprindo escrupulosamente a previsão constitucional.   Não há democracia sem controle sobre a gestão pública. O controle tecnicamente frágil ou politicamente enviesado debilita a democracia e não contribui para a melhoria da administração. É fundamental que haja um acompanhamento próximo das atividades dos TCs, que lhes sejam cobrados resultados e que as indicações de ministros e conselheiros sejam objeto de amplo debate público.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT

RECOMENDAR OU DETERMINAR??? – por ALIPIO REIS FIRMO FILHO

  RECOMENDAR OU  DETERMINAR???   É comum vermos os tribunais de contas dirigindo recomendações aos órgãos/entidades públicos para que observem esta ou aquela legislação. Há recomendações de todo gênero: para que não realizem despesas sem prévio empenho; para que realizem concursos públicos; para que não incorram em fracionamentos de despesa, etc.   Refletindo sobre esse procedimento, vejo que precisamos evoluirnesse  terreno.   Nos quinze anos que passei no Tribunal de Contas da União sempre aprendi que recomendações e determinações não se confundem. São institutos distintos. Aliás, muito distintos!. A começar pelas definições de um e de outro institutos nos dicionários.   Os dicionaristas costumam definir o termo recomendar como sinônimo de “aconselhamento” ou, ainda, “encarregar (alguém) insistentementepara que  cumpra uma  tarefa ou atividade”.   Bastam estas duas exemplificações para concluirmos que o termo (recomendar) carrega consigo um forte conteúdo de voluntariedade. Em outras palavras, quem recebe uma recomendação poderá ou não acatá-la visto que se trata apenas de um aconselhamento, isto é, algo sujeito à esfera da discricionariedade de seu destinatário. Nesse caso, o não acatamento do que foi recomendadonão poderá ser censurado por quem proferiu a recomendação uma vezque seu destinatário optou (legitimamente) por uma das duas únicas soluções  postasà sua disposição, qual seja, a de não acatar o que foi a ele recomendado. Afinal de contas, trata-se tão-somentede uma recomendação. Nada mais.   O mesmo não podemos afirmar dasdeterminações.   Ao contrário das recomendações, elas encerram um conteúdo genuinamente imperativo. Não haveria saída para seus destinatários: apenas cumpri-las e pronto. Eventual descumprimento conduziria a alguma crítica, penalidade, restrição ou coisa do gênero. A omissão (ou ação) estaria sujeita, portanto, a reprimendas.   Quando transporto essa concepção para o universo de atuação dos tribunais de contas, a distinção ganha singular importância. Aqui, as consequências jurídicas merecem uma maior reflexão.   Recomendações encerram conselhos dirigidos à omitimização da gestão, possui um caráter menos obrigatório, na qual, a Administração poderá  se valer de juízo de conveniência e oportunidade na aplicação das condutas recomendadas diz acertadamente a Consultoria Zênite ao analisar um questionamento vazado nos seguintes termos: qual a diferença prática e também teórica entre as determinações e as recomendações expedidas pelo Tribunal de Contas da União? (Ano XVI, n. 179, Janeiro 2009).   É preciso ter em mente que as recomendações estão relacionadas à adoção de critérios de conveniência e oportunidade por parte dos administradores públicos. Ou seja,  as recomendações devem ser formuladas (pelos tribunais de contas)  sempre que o ato de gestão avaliado tratar-se de atos discricionários. Talvez alguns exemplos sejam mais claros:   Situação 1: o tribunal de contas vai a campo e ao analisar os atos de gestão de seus jurisdicionados conclui que seria bastante oportuno que um deterinado órgão ou entidade adotasse um planejamento estratégico, pois isso certamente poderia coibir a proliferação de certas e determinadas irregularidades. Como tudo se resove no plano das possibilidades (a adoção do planejamento estratégico poderá ajudar não sendo certo, contudo, que isso de fato irá acontecer) a recomendação seria a ferramenta mais legítima a ser dirigida ao jurisdicionado, nestes termos: recomendar ao órgão/entidade “X” que avalie a possibilidade de adoção do planejamento estratégico como ferramenta de gestão.   Nessa situação específica, a adoção da recomendação ao invés de uma determinação também decorre do fato de o planejamento estratégico não está definido na legislação como de adoção compulsória pelos administradores públicos. Ele é apenas mais uma ferramenta de gestão posto à disposição do setor público para alcançar os seus objetivos, melhorar a prestação dos serviços públicos, e assim por diante. É evidente que se houver uma legislação prevendo, de forma imperativa, que os gestores adotem o planejamento estratégico como instrumento de gestão, então, na hipótese dada, não haverá espaço para uma recomendação, mas para uma determinação.   Situação 2: outro bom exemplo é quando um tribunal de contas recomenda a aprovação/desaprovação das contas do governador.   Todos sabem que são os legislativos estaduais que possuem competência para julgarem as contas apresentadas pelo governador. Em sua análise, certamente que as assembleias legislativas levarão em consideração as observações oferecidas pelo tribunal de contas respectivo. Tais observações, todavia, não possuem natureza imperativa, mas opinativa. Conquanto emanem de um organismo especializado, não possuem natureza determinativa. Por isso situam-se no plano das recomendações.   Já deu pra perceber que diante das recomendações o gestor público possui uma grande margem de escolha. A recomendação mostra-se apenas como um indicativo, uma sugestão de direção a ser tomada. Nada mais. Caberá ao cada administrador tomar a sua própria decisão, acatando ou não a recomendação proposta.   Isso não se dá com as determinações. Conforme outrora dito, sua natureza é determinativa. Seu destinatário não terá qualquer condição de optar. Ou cumpre, ou cumpre. Vejamos duas hipóteses que ilustram muito bem esse contexto:   Hipótese 1: o tribunal vai a campo e constata que um órgão costuma adotar tomadas de preços no lugar de suas concorrências. Ora, sabemos que essa conduta é vedada pela lei de licitações e contratos uma vez que ela restringe o caráter competitivo do certame. Nesta hipótese o ato é vinculado. Não há margem para discricionariedade. Havendo viabilidade de competição e se não for caso de dispensa de licitação, o gestor deverá realizar adotar a modalidade da concorrência (desde que, obviamente, o valor do objeto licitado se situe dentro da faixa autorizativa dessa modalidade licitatória).   Hipótese 2: o tribunal vai a campo e constata que um determinado órgão/entidade não realiza o inventário anual de seus bens. Também aqui se trata de um imperativo legal. Todo gestor público, ao final de cada exercício, deve fazer o levantamento de seus bens. Como na situação anterior, não há  margem de opção por parte do gestor. Ele terá que realizar o inventário de seus bens.   Nas hipótesesdadas, não há como o tribunal recomendar que o gestor público adote a modalidade da concorrência e/ou proceda ao inventário de seus bens. Do contrário, é como se admitíssemos também que o administrador pudesse optar por não realizar qualquer dos procedimentos. Muito pelo… Read more »