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A extinção do TCE

Artigo de Luiz Henrique Lima, Conselheiro Substituto do TCE-MT   Esta semana tive acesso a um debate nas redes sociais em que vários participantes pregaram a extinção do Tribunal de Contas. Essencialmente, houve três argumentos para amparar a tese. O primeiro é que o TCE-MT teria falhado na prevenção/punição a episódios de corrupção nas últimas gestões. O segundo é que se trata de um órgão que consome elevada parcela dos recursos estaduais. O terceiro é que tem na sua composição membros de origem política, que não julgam com motivação técnica, mas em virtude de interesses partidários. Quanto à primeira alegação, é preciso reconhecer que nenhuma instituição estatal, inclusive as Cortes de Contas, foi capaz de prevenir os desvios bilionários ocorridos na esfera federal, como na Petrobrás e nos fundos de pensão, e na estadual, como no VLT e no MT-Integrado. Todavia, cabe assinalar que as competências dos órgãos de controle externo estão delimitadas pela Constituição, não lhes sendo possível, no regramento atual, lançar mão de ferramentas valiosas em processos de investigação, tais como a quebra de sigilos fiscal e bancário. Nada obstante, foram adotadas inúmeras medidas cautelares e impostas sanções a poderosos agentes políticos. Ademais, o “argumento” em si é uma falácia rudimentar. O Brasil tem uma reduzida taxa de resolução de homicídios e nem por isso se prega a extinção dos órgãos policiais; grande parte de nossas universidades ostenta fraco desempenho na área de pesquisa e nem por isso se advoga o seu fechamento e assim por diante. Com respeito ao custo de manutenção do TCE, é preciso saber fazer as contas corretamente. Sem dúvida, como na maioria dos órgãos públicos, há espaço para redução de custos e melhoria de desempenho. Contudo, como aprende qualquer calouro nas faculdades de economia ou administração, todo gasto deve ser avaliado numa relação de custo-benefício envolvendo, pelo menos, as alternativas de fazê-lo ou não. Assim, os preços de um medicamento ou de um seguro veicular podem, a princípio, ser considerados caros, mas uma análise atenta deve considerar o custo e o risco do paciente não fazer uso do medicamento ou do proprietário não adquirir o seguro para o seu veículo. No caso da administração pública, há dúzias de pesquisas demonstrando que o custo do descontrole é muito superior ao do controle. Aqui mesmo em MT há inúmeros exemplos, como na fiscalização da concorrência de obras na MT-130, na qual o TCE-MT conseguiu a redução do preço final do contrato em mais de R$ 5 milhões. Aquele único processo permitiu ao estado economizar um montante superior à remuneração anual de todos os auditores lotados na unidade de engenharia do TCE. Há muitos outros casos similares. Finalmente, com relação à composição do TCE, é certo que há críticas bem fundadas e diversas propostas de emendas à Constituição visando aumentar o número de conselheiros oriundos de carreiras técnicas, como as dos conselheiros substitutos e procuradores de contas. No Tribunal de Justiça, por exemplo, 80% dos desembargadores têm origem na magistratura e apenas 20% na advocacia e no Ministério Público. Enquanto isso, nos TCs, pela regra vigente, apenas um conselheiro substituto e um procurador de contas são alçados à titularidade entre os sete conselheiros. No caso de MT, passados mais de 30 anos da Carta de 1988, sequer essa participação mínima foi concretizada. Isso, no entanto, não deve inspirar movimentos pela extinção do órgão de controle, mas sim pelo aprimoramento e pela observância às normas constitucionais que o disciplinam. Como já tive a oportunidade de escrever, críticas à atuação do TCE são bem-vindas e devem ser recebidas com naturalidade e humildade. O que se espera é que o importante debate sobre o aperfeiçoamento da função controle da administração pública seja pautado pela compreensão de que tal atividade é essencial ao regime democrático e ao melhor desempenho da administração pública, sob os prismas de legalidade, legitimidade e economicidade.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

VERDADE FISCAL – por Luiz Henrique Lima

Uma das mais relevantes atribuições do Tribunal de Contas é informar corretamente a sociedade acerca do estado das finanças públicas, sob os aspectos contábil, orçamentário, financeiro, patrimonial e operacional. De fato, nenhuma outra instituição pública ou privada dispõe do acervo de informações relativas às contas governamentais que o TC acumula, tanto no que concerne à arrecadação de receitas, quanto em relação à execução de despesas. Tais informações derivam, não apenas das prestações de contas anuais que os gestores públicos têm o dever constitucional de apresentar, mas também de um conjunto de ações de fiscalização em processos de auditorias, inspeções, monitoramentos, acompanhamentos, denúncias, entre outros. As informações disponibilizadas pelos TCs são úteis para que a Assembleia e as Câmaras Municipais exerçam o seu papel de fiscalização do desempenho do Poder Executivo e possam atuar com segurança na discussão das leis orçamentárias. São necessárias também para os órgãos de imprensa comunicarem ao público notícias acerca das finanças estatais. São importantes para sindicatos e associações formularem suas propostas. De igual modo, para as universidades e institutos de pesquisa na elaboração de estudos acadêmicos. Finalmente, são proveitosas para o cidadão consciente que busca uma informação independente e confiável sobre os resultados das políticas públicas e para os próprios gestores aprimorarem o planejamento e a execução de suas atividades. Entre as informações mais significativas que o Tribunal de Contas deve certificar estão as relacionadas à gestão fiscal do estado e dos municípios. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, no seu art. 59, determina que compete aos TCs verificar os cálculos dos limites da despesa total com pessoal de todos os Poderes e órgãos. Nesse aspecto particular, é forçoso reconhecer que o TCE-MT não estava sendo preciso na comunicação à sociedade. De fato, ao longo do tempo, aqui foram adotadas diversas interpretações condescendentes sobre conceitos da LRF, que conduziram a resultados que não permitiam identificar com nitidez a verdadeira situação fiscal de Mato Grosso. Tais interpretações, em sua maioria, estavam em contradição com as melhores técnicas de contabilidade pública e em dissonância com os entendimentos da Secretaria do Tesouro Nacional – STN, do TCU e da maioria dos TCs brasileiros. A situação chegou a tal ponto que, em inúmeros relatórios e documentos oficiais, eram apresentados dois cálculos diferentes, por exemplo, da receita corrente líquida e da despesa total com pessoal; um de acordo com a metodologia da STN, outro segundo a versão do TCE-MT. Enquanto nas contas da STN, os limites de alerta, prudencial e máximo para as despesas de pessoal estavam ultrapassados, para o TCE-MT ainda havia margem de expansão para esses gastos. Contudo, ao optar pela interpretação mais tolerante, o estado e os municípios mato-grossenses deixaram de promover diversas medidas de cautela determinadas pela LRF, o que culminou por agravar a crise fiscal. Em 2018, o TCE-MT decidiu atualizar a sua jurisprudência, alinhando-se com a melhor doutrina e com uma interpretação mais precisa e rigorosa das normas de responsabilidade fiscal. Por meio de um conjunto de reexame de teses, foram revistas decisões anteriores, como as que excluíam os gastos com pessoal da Defensoria Pública do cômputo das despesas gerais com pessoal ou o montante do Imposto de Renda Retido na Fonte do cálculo da receita corrente líquida e das despesas com pessoal. Refeitos os cálculos após a correção dessas distorções, o retrato que emerge das contas públicas mato-grossenses é muito mais crítico e preocupante do que o que vinha sendo anteriormente apresentado. Mas agora é bem mais próximo da realidade e, por isso, capaz de melhor informar decisões importantes e necessárias. Um órgão de controle externo tem o dever de expor, tempestiva e corretamente, os números da verdade fiscal. O TCE-MT está buscando cumprir esse papel.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

Decisão contraditória – por Luiz Henrique Lima

  O mundo jurídico e o mundo político foram surpreendidos com a decisão adotada esta semana pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento com repercussão geral do RE 848826. Em breve síntese, o STF entendeu que os julgamentos pelos Tribunais de Contas pela irregularidade das contas de gestão de prefeitos não produzem efeito de inelegibilidade, como prescreve a Lei da Ficha Limpa, devendo tais juízos serem referendados pelas respectivas Câmaras de Vereadores.   A surpresa prende-se ao fato de que na semana anterior o Relator da matéria, Ministro Luis Roberto Barroso, apresentou voto muito bem fundamentado no sentido oposto, isto é, explicitando que a condenação pela irregularidade das contas em julgamento colegiado das Cortes de Contas era sim motivo de inelegibilidade.   Em seu voto, o Ministro Barroso seguiu a própria jurisprudência do STF que, ao apreciar Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.578 contra a Lei da Ficha Limpa, considerou a norma integralmente constitucional, mesmo resultado das Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADCs 29 e 30.   Assim, a nova decisão é contraditória, não apenas com o julgamento das referidas ADI e ADCs, mas com diversas outras manifestações da Corte Suprema, a exemplo da ADI 3.715 e das Reclamações 13.965 e 15.902.   É certo que a decisão produzirá efeitos diretos, imediatos e devastadores já nas eleições municipais previstas para outubro. Isso porque poderão ser registrados como candidatos centenas de prefeitos de todo o Brasil, condenados por graves irregularidades na aplicação dos recursos públicos, caracterizando atos de improbidade, em completa afronta ao espírito da Lei da Ficha Limpa, resultante, como se sabe, da mobilização de milhões de brasileiros inconformados com a corrupção e os desmandos na administração pública. Ainda que as Câmaras Municipais se dispusessem a ratificar todas as decisões condenatórias do TCU, TCEs e TCMs, não haveria tempo hábil para fazê-lo antes do prazo de registro das candidaturas. Apenas para contextualizar: em 2014, 84% das declarações de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral foram motivadas pela reprovação das contas pelos TCs.   O resultado da mal inspirada decisão produz ainda outras aberrações jurídicas. Um exemplo: se pelo mesmo motivo foram condenados solidariamente o prefeito e o secretário de saúde, o secretário, que é subordinado, continuará ficha-suja e inelegível, enquanto o prefeito, que é o principal responsável, passa a ser ficha-limpa e elegível até que a Câmara Municipal delibere novamente sobre o tema. E se a Câmara inocentar o prefeito, as penalidades pecuniárias aplicadas, como a restituição de valores ao erário, ficarão apenas sob a responsabilidade do subordinado?   Outro exemplo: o prefeito que geriu incorretamente um orçamento de R$ 300 milhões e foi condenado pelo TCE é elegível, mas outro, que aplicou indevidamente recursos de um convênio federal de R$ 300 mil, e por isso foi condenado pelo TCU, continua inelegível, pois a decisão do STF menciona apenas as contas de gestão e não as tomadas de contas especiais.   Observou-se na sessão de julgamento que há alguma incompreensão acerca das competências constitucionais dos órgãos de controle externo e do seu papel fundamental no funcionamento do Estado Democrático de Direito. Houve até quem expressasse a impropriedade de que o Tribunal de Contas é mero “órgão auxiliar” do Poder Legislativo, desconsiderando que essa formulação foi expressamente derrotada na Assembleia Constituinte de 1988, que prestigiou as Cortes de Contas como órgãos de extração constitucional, com autonomia e independência, como bem leciona o ex-Ministro Ayres Britto, cuja inteligência e cultura jurídicas abrilhantaram o STF.   A referida decisão prevaleceu por mínima maioria, de seis votos contra cinco, o que alimenta a esperança de que em breve a matéria possa ser reexaminada e o equívoco corrigido.     Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

Cinco lições da crise – por Luiz Henrique Lima

  Crises econômicas são dolorosas, produzem efeitos negativos para as famílias e empresas. Quando acompanhadas de crises políticas, tornam-se ainda mais graves, pois a instabilidade retarda e dificulta a adoção de medidas corretivas. No Brasil, além da crise econômica e política vive-se uma profunda crise moral, com o envolvimento de altíssimas autoridades em crimes de corrupção e obstrução da justiça, crimes de responsabilidade, infrações éticas e atos de improbidade. Não há saída fácil ou indolor e tampouco rápida.   Todo o sofrimento e toda a angústia provocados pela atual crise serão inúteis se não trouxerem ensinamentos duradouros que orientem a recuperação nacional e pavimentem um futuro mais seguro, com desenvolvimento e respeito para todos os brasileiros. Arrisco-me a esboçar algumas lições que podemos desde logo recolher.   Primeira: a democracia é o único caminho possível. Não há outro. Ponto. A democracia deve ser aprimorada, aprofundada, consolidada. Ela definha quando tolhida e se fortalece sendo exercida com cada vez mais transparência e responsabilização dos agentes públicos.   Segunda: o sistema eleitoral vigente não está apenas falido, está podre. Refiro-me não somente ao financiamento das campanhas, gerador de distorções na competição e de mandatos comprometidos com os patrocinadores e não com a sociedade. É o sistema de voto proporcional para os cargos legislativos que encarece as campanhas, destrói os partidos, fragmenta a representação, inibe o debate. Exige a montagem de estruturas de campanha cujo custo de sustentação é feito com o sacrifício de princípios e propostas. A reforma política necessária é a adoção do voto distrital misto.   Terceira: a economia cobra um preço caro pela incompetência, imprevidência e improvisação. Ao contrário do que às vezes ocorre na política, na gestão econômica e fiscal os erros nunca ficam impunes, gerando consequências, que se tornam piores quanto maior a incerteza, a imprevisibilidade e a demora em corrigi-los. A atual combinação de inflação e desemprego de dois dígitos, recessão, juros altos e déficit nas contas públicas não é fruto do acaso, mas do acúmulo sistemático de decisões equivocadas, maximizadas pela arrogância dos que se julgam donos da verdade e autorizados a multiplicar pedaladas de toda espécie. A gestão fiscal e a política econômica devem ser conduzidas com responsabilidade, disciplina e respeito às normas constitucionais e orçamentárias.   Quarta: as instituições republicanas protegem os cidadãos e devem ser fortalecidas. Em nossa longa tradição autoritária, habituamo-nos a um Poder Executivo exercido de forma imperial. Na atual crise, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm sido protagonistas no combate aos crimes contra a administração e o tesouro públicos. Merecem também destaque os órgãos estatais, que existem para servir à sociedade e não aos governos, como a Receita e a Polícia Federais. De igual modo, o TCU é digno de aplausos por sua análise técnica das contas da Presidente, pelo cálculo do sobrepreço nas refinarias da Petrobras etc. É patética e antirrepublicana a tentativa de alguns de colocar estribos nessas instituições, ou de retirar-lhes recursos, para impedir, atrasar ou atrapalhar investigações que contrariam interesses partidários.   Quinta: o crescimento da intolerância é um risco real. Observa-se que a discussão política tem sido radicalizada, muitas vezes descambando para agressões pessoais no pior estilo das arquibancadas esportivas. A intolerância partidária, ideológica, religiosa e étnica é um mal a ser combatido diuturnamente, pois quem semeia ódio somente colhe tragédias. É preciso aprender a ouvir e ter paciência para dialogar.   Certamente, cada leitor poderá acrescentar suas reflexões a este esboço. Ao apresentar minhas considerações, espero contribuir para o amadurecimento do debate e para que o Brasil saia da crise melhor do que entrou e bem melhor do que o ponto a que já chegou.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

Riscos para a previdência pública – por Luiz Henrique Lima

  O Regime Próprio de Previdência Social – RPPS é o regime de previdência, criado por lei, no âmbito de cada ente federado, destinado a assegurar aos servidores titulares de cargo efetivo, pelo menos, os benefícios de aposentadoria e pensão por morte previstos no art. 40 da Constituição da República. Os RPPS são regulados pela Lei no 9.719/1998, alcunhada de Lei Geral da Previdência no Serviço Público, que dispõe sobre regras gerais de organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências.   A partir da edição da Lei nº 9.717 e até 2014 foram constituídos 2.181 RPPS no Brasil, abrangendo as esferas federal, estadual, distrital e municipal. Em Mato Grosso, há 102 RPPS.   Atualmente, 5,3 milhões de servidores públicos são contribuintes ativos dos RPPS estaduais e municipais e seus potenciais beneficiários no futuro e há 2,4 milhões de aposentados e pensionistas beneficiários da previdência própria. Na esfera da União são 644 mil participantes civis com 355 mil aposentados e 317 mil pensionistas e 519 mil servidores militares ativos e inativos e 669 mil pensionistas.   Todas essas famílias têm no respectivo RPPS a principal, e muitas vezes a única, fonte de rendimentos na velhice, além do que renunciam compulsoriamente a naco relevante de seu consumo atual em favor do financiamento de sua inatividade, cuja intermediação foi entregue constitucionalmente ao Estado. Possuem, portanto, interesse direto na gestão proba, eficiente, prudente e segura dos valores que irão assegurar sua subsistência quando não mais dispuserem de capacidade laboral. Para essa significativa parcela de brasileiros, trata-se de tema de máxima relevância.   O assunto também diz respeito a quem não é servidor público, pois problemas na gestão dos recursos previdenciários afetam a economia como um todo e podem gerar graves impactos nas contas governamentais.   Aliás, é muito expressiva a dimensão dos ativos sob a administração dos RPPS. Em 2013, apenas nas esferas estadual e municipal, o valor alcançou R$ 175 bilhões, dos quais R$ 72,4 bilhões aplicados em renda fixa, R$ 6,6 bilhões em renda variável e R$ 92,6 bilhões em ativos vinculados por lei aos RPPS. Referido montante é superior ao valor das disponibilidades somadas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios depositadas em Fundos de Aplicação Financeira, e que em 2013 representavam R$ 65 bilhões, conforme consolidação no Balanço do Setor Público Nacional.   Naturalmente, tanto dinheiro desperta a cobiça de quadrilhas especializadas no assalto aos cofres públicos. Nos últimos anos, diversas operações da Polícia Federal, como a Miquéias e a Fundo Falso, identificaram crimes perpetrados contra RPPS, principalmente na esfera municipal, a partir de aplicações inidôneas, geradoras de prejuízos milionários. Procedimentos semelhantes foram observados nos fundos de pensão de empresas estatais federais, como o Petros, Funcef, Postalis e Previ, com dezenas de bilhões de reais em perdas patrimoniais.   Em recente fiscalização efetuada pelo TCU, foram identificados importantes riscos na gestão dos RPPS, como a sustentabilidade do regime previdenciário, traduzido em situações de déficits atuariais e financeiros expressivos; as irregularidades na concessão de benefícios, devido à fragilidade de controles nos sistemas de informação utilizados; a dificuldade de fiscalização da gestão de investimentos; e o baixo índice de recuperação de créditos previdenciários.   A propósito, no próximo dia 15 de março, será lançado em Cuiabá o livro Controle Externo dos Regimes Próprios de Previdência Social, obra coletiva de ministros e conselheiros substitutos dos tribunais de contas. Há um capítulo de minha autoria e outro do colega Ronaldo Ribeiro, também Conselheiro Substituto do TCE-MT. Será às 12:00 no saguão do edifício Marechal Rondon, sede do TCE-MT. Estão todos convidados.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

Contas públicas em tempos de crise – por Luiz Henrique Lima

  A crise econômica e política que vive o Brasil aumentou o interesse pelos julgamentos das contas públicas pelos Tribunais de Contas, assim como pelas conclusões de seus trabalhos técnicos de fiscalização da gestão governamental. Há, todavia, muita desinformação, gerando expectativas as mais diversas e irreais, em boa medida porque, das instituições republicanas, as Cortes de Contas são as mais desconhecidas e menos estudadas, inclusive no meio acadêmico e no mundo jurídico.   Os TCs não são uma invenção brasileira ou um modismo recente. No Brasil, foram criados em 1890, logo após a instalação da República, inspirados no modelo francês instituído por Napoleão em 1807. Desempenham uma função essencial à democracia que é o controle externo da administração pública. Hoje existem Cortes de Contas em dezenas de nações, inclusive na União Europeia.   É preciso sempre sublinhar que os TCs não julgam pessoas, mas sim contas, ou seja, atos de gestão envolvendo recursos públicos, sob os prismas orçamentário, contábil, financeiro, patrimonial e operacional. Os TCs não julgam crimes ou contravenções penais, nem decidem sobre atos de improbidade administrativa. Tais competências são do Poder Judiciário. Apesar do nome, os Tribunais de Contas não pertencem ao Judiciário. Tampouco são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, embora com ele possuam estreita relação de colaboração e complementaridade de atuação.   Na organização estatal, posicionam-se como órgãos autônomos a serviço da sociedade, cujas competências e prerrogativas são expressamente fixadas na Constituição. Fiscalizam todos os poderes e órgãos públicos, não se subordinando a nenhum. Devem zelar não somente pela legalidade, mas também pela legitimidade e economicidade. Não cuidam apenas de aspectos formais, mas da qualidade do gasto público, expressa em indicadores de resultados de políticas públicas.   Os TCs não condenam gestores à prisão, embora possam aplicar sanções de restituição de valores, multas, indisponibilidade de bens, declaração de inidoneidade e inabilitação para o exercício de cargos públicos. Ademais, com base nas informações e análises resultantes de sua atuação fiscalizatória, o Ministério Público promove ações penais que podem conduzir a sentença judicial de prisão do responsável. Outra consequência possível da rejeição das contas é a inelegibilidade do gestor, que passa a ser “ficha-suja”.   Muitos confundem contas de governo e contas de gestão. Nas contas de governo, o TC emite um parecer prévio, de natureza técnica, pela aprovação ou rejeição, mas o julgamento definitivo é do Poder Legislativo. Nas contas de gestão, quem julga é o próprio TC. Sobrepreço num contrato ou fraude numa licitação são analisados nas contas de gestão. Desrespeito aos limites constitucionais de gastos em saúde e educação os aos limites de gastos com pessoal e endividamento são objeto das contas de governo. As contas de governo envolvem a responsabilidade do Chefe do Executivo acerca dos macrorresultados das políticas públicas. As contas de gestão alcançam uma multiplicidade de responsáveis pelas ações setoriais e pontuais da administração. Nem sempre um parecer favorável nas contas de governo corresponde a um julgamento pela regularidade das contas de gestão e vice-versa.   No momento, discute-se a possibilidade do TCU emitir parecer prévio contrário às contas de 2014 da presidente da República em virtude de inúmeras irregularidades apontadas na gestão fiscal. O curioso é que o Congresso Nacional não julga as contas de governo desde 2001. Em tese, a rejeição das contas pelo Poder Legislativo pode fundamentar um processo de impeachment.   Um dos principais obstáculos a uma fiscalização mais efetiva pelos TCs é a invocação, por exemplo, pela Petrobras e pelo BNDES, de um sacrossanto sigilo bancário, fiscal, comercial etc., utilizado como pretexto para negar dados às auditorias. Em Mato Grosso, argumentos semelhantes foram utilizados para negar transparência aos incentivos fiscais concedidos pelo estado. Trata-se de um absurdo já condenado pelo STF, pois não pode haver sigilo na aplicação de recursos ou na renúncia de receitas públicas, porém não são poucas as manobras daqueles que se pretendem imunes ao controle da sociedade.   Outro aspecto é a inexistência de um órgão nacional que normatize e discipline a atuação dos 34 TCs existentes no país, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça em relação ao Poder Judiciário. A proposta de criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas vem sendo debatida há anos, mas sem decisão pelo Congresso. Enquanto isso, não há uma Corregedoria nacional que processe infrações ético-disciplinares de membros dos TCs.   Uma das maiores críticas à atuação dos TCs é o critério previsto para escolha de ministros e conselheiros, que tem gerado diversas indicações polêmicas, em que a avaliação da capacidade técnica do futuro magistrado de contas é sobrepujada pela afiliação a grupos de interesses político-partidários. Questiona-se se tal composição influenciaria decisões, tornando-as menos rigorosas e técnicas. Nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais, 80% dos desembargadores são oriundos da magistratura concursada, que nos TCs corresponde aos conselheiros substitutos. Já nas Cortes de Contas ocorre o inverso, pois a previsão é de que apenas um entre sete conselheiros seja escolhido dentre os conselheiros substitutos concursados, e mesmo assim em diversos TCs ainda não foi efetivada essa solitária presença. Note-se que na Cour des Comptes francesa, que inspirou a criação dos TCs brasileiros, assim como na totalidade dos TCs europeus, a grande maioria dos magistrados tem origem na carreira especializada da magistratura de contas.   Eis alguns importantes debates para o aprimoramento do controle externo brasileiro.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.