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COVID-19 E COMPRAS PÚBLICAS – por Luiz Henrique Lima

  A pandemia da COVID-19 produziu inúmeras inovações legislativas com impacto na administração pública, especialmente nas regras relativas a licitações e contratos. Em fevereiro foi aprovada a Lei 13.979, cujo artigo 4º dispensou a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. Referida dispensa é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública. Ademais, todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nessa Lei devem ser imediatamente disponibilizadas na internet, contendo todas as informações necessárias ao exercício do controle externo e do controle social. No mês seguinte, foi editada a Medida Provisória 926 alterando e acrescentando dispositivos à Lei 13.979. A MP acrescentou a possibilidade da dispensa alcançar serviços de engenharia, bem como de equipamentos usados, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido. Também, permitiu a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido. Outra importante inovação da MP 926 foi a de que as condições caracterizadoras da emergência são presumidas, isto é, não precisam ser previamente demonstradas. Igualmente, foi dispensada a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns e admitida a apresentação de termo de referência ou de projeto básico simplificados. Em situações excepcionais, devidamente justificadas, é dispensada a estimativa de preços e a  apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista. Também ficou dispensada a audiência pública prevista no art. 39 da Lei 8.666/1993. Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência da COVID-19, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade. Por sua vez, eventuais recursos aos procedimentos licitatórios não terão caráter suspensivo. Quanto às alterações nos contratos decorrentes da Lei 13.979, a administração pública poderá prever que os contratados fiquem obrigados a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até cinquenta por cento do valor inicial atualizado do contrato. A MP 926 também estabeleceu que os contratos regidos pela Lei 13.979 terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência. Além disso, ampliou os limites para suprimentos de fundos por meio dos cartões de pagamento do governo (R$ 150.000,00 para obras e serviços de engenharia e R$ 80.000,00 nos demais casos). Na mesma data da MP 926, foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 791, também alterando a Lei 13.979, e cujo art. 7º-I cria um confuso regime de homologação de contratações federais envolvendo a AGU, a CGU, o TCU, a PGR e o STF. Dificilmente será aprovado, pois é manifestamente inconstitucional em face do art. 71 da Carta Magna, razão pela qual sua análise não será estendida. Em abril, editou-se nova Medida Provisória 951, alterando outra vez a Lei 13.979, para incluir regras específicas para aplicação do sistema de registro de preços e para suspender o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2011. Em breve síntese, são muitas as alterações em relação ao procedimento tradicional. O objetivo geral é simplificar e proporcionar maior celeridade processual para que o gestor público possa enfrentar as demandas emergenciais decorrentes da pandemia da COVID-19. A emergência, no entanto, não pode ser pretexto para a violação dos princípios constitucionais da administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – nem dos que regem a execução das despesas estatais – legalidade, legitimidade e economicidade. Se o gestor improbo merece dura reprimenda em dias normais, muito mais aquele que eventualmente utilizar de forma ilícita os mecanismos excepcionais concebidos para defender a saúde e a vida dos brasileiros.    

AUDITORIAS QUE SALVAM VIDAS – por Luiz Henrique Lima

  Que a corrupção mata, disso ninguém duvida. Há tempo os brasileiros entenderam que os bilhões de reais desviados em propinas de toda a espécie e em todas as esferas poderiam ter sido aplicados na melhoria da rede pública da saúde, na infraestrutura de saneamento ambiental e na pesquisa científica e tecnológica proporcionando a redução da mortalidade infantil, melhores condições de atendimento à população em geral, medicamentos e tratamento adequado para portadores de doenças crônicas etc., salvando incontáveis vidas e propiciando condições mais dignas de existência para milhões de brasileiros. Parafraseando Kurosawa, cada um dos corruptos deste país, condenado ou não, em prisão domiciliar ou não, dorme em um travesseiro empapado de sangue de suas vítimas. O que poucos têm noção é que auditorias podem salvar vidas. Não apenas de forma indireta, combatendo a corrupção e, consequentemente, evitando as mortes que ela provoca. Mas também, de forma direta, contribuindo para o aprimoramento dos programas governamentais na área da saúde, apontando falhas e irregularidades, orientando procedimentos, recomendando ajustes e correções, monitorando resultados e destacando e disseminando as boas práticas. Há inúmeros exemplos. Trabalhos de fiscalização realizados pelo TCE-MT na logística da gestão de medicamentos e de farmácias de alto custo identificaram graves deficiências. Seguindo as recomendações do Tribunal, diversos gestores adotaram providências corretivas e hoje, em vários municípios, foi reduzido o desperdício com medicamentos vencidos, melhorada a gestão dos estoques e alcançado um melhor atendimento aos pacientes, com custos menores para o tesouro. Em outra auditoria, o TCE-MT constatou falhas nos repasses de recursos do SUS aos municípios, responsáveis pela atenção primária. Como resultado das orientações, os procedimentos foram aprimorados e hoje funcionam de modo mais ágil e transparente. O mesmo ocorreu após uma fiscalização na central de regulação. Na atual situação de emergência em saúde resultante da pandemia do COVID-19, os auditores do TCE-MT fizeram um levantamento da disponibilidade de leitos implantados e em implantação de UTI e de enfermagem, assim como de equipamentos e profissionais necessários para o atendimento de pacientes diagnosticados com a COVID-19 nas unidades de saúde do SUS em Cuiabá e Várzea Grande. Entre outras informações relevantes, foi apontado que existiam 37 respiradores mecânicos disponíveis em reserva e outros 87 indisponíveis por ausência de manutenção preventiva e corretiva. Com a divulgação do relatório, a partir de uma interação entre membros do MPF e do TCE-MT, surgiu a perspectiva de produção das peças necessárias por meio de impressoras 3D pelo SENAI, que conta com laboratórios e técnicos capacitados para deixar esses equipamentos em condições operacionais. Tudo de forma gratuita, expressando cooperação solidária. O trabalho do TCE-MT ensejou a articulação de iniciativas capazes de suprir em curto prazo a demanda de equipamentos indispensáveis ao tratamento dos pacientes com quadro clínico mais grave e cuja oferta no mercado internacional está comprometida pelo caráter global da pandemia. Portanto, a atuação do controle externo é importante não apenas para preservar os recursos públicos, mas também para salvar vidas e garantir direitos sociais. Devemos homenagear os inúmeros heróis que têm atuado incansavelmente para minimizar as perdas de vidas humanas e o sofrimento de suas famílias e amigos, como os profissionais de saúde e da segurança pública, mas também é importante lembrar todos os que, no exercício de seus misteres, contribuem para que possamos juntos superar essa gravíssima crise: jornalistas, coletores de lixo, caminhoneiros, pesquisadores, frentistas e tantos outros. Da mesma forma, aqueles que no Executivo, Legislativo e Judiciário e demais órgãos têm buscado atuar com equilíbrio e lucidez, confiando na ciência e construindo as soluções legais, jurídicas, orçamentárias e administrativas necessárias para o enfrentamento desta situação de excepcionalidade. Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

LRF EM QUARENTENA – por Luiz Henrique Lima

  LRF em quarentena Quem acompanha o noticiário relativo aos impactos da pandemia do COVID-19 na administração pública, especialmente em relação às normas de direito financeiro e administrativo e aos procedimentos de gestão orçamentária, contábil e fiscal, pode estar tendo a impressão que a  Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF foi mais uma vítima fatal do novo coronavírus. Alguns intérpretes apressados estão propagando a tese de que a situação de gravíssima emergência, o reconhecimento do estado de calamidade pública e a necessidade de adoção de múltiplas medidas urgentes pelos gestores, como a aquisição de equipamentos hospitalares e kits de testagem ou a contratação provisória de pessoal para atuar nas unidades de saúde, justificam o completo abandono das normas de direito público, a exemplo da responsabilidade fiscal. Não é bem assim. Para usar uma metáfora de fácil compreensão nos dias de hoje, alguns dispositivos da LRF foram colocados em quarentena, mas nenhum deles está na UTI ou foi revogado. Primeiramente, é preciso destacar que, há 20 anos, quando foi sancionada em maio de 2000, a própria LRF previu que na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, para a União, ou pelas Assembleias Legislativas, para Estados e Municípios, serão suspensas, enquanto perdurar a situação, a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos artigos 23  e 31, ou seja, a recondução da despesa total com pessoal e da dívida consolidada aos limites legais. Isso consta do seu artigo 65. Ademais, em caso de crescimento real baixo ou negativo do Produto Interno Bruto (PIB) por período igual ou superior a quatro trimestres, tais prazos serão duplicados (artigo 66). O Congresso Nacional reconheceu a calamidade pública no Brasil por meio do Decreto Legislativo 6/2020 e a Assembleia Legislativa de Mato Grosso fez o mesmo em relação ao estado por meio da Resolução 6.728/2020. Embora a norma estadual faça referência apenas à administração pública estadual, entendo que os seus efeitos também se aplicam a todos os municípios mato-grossenses, sem a necessidade de edição de outro diploma específico. Ademais, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática e cautelar nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6.357, concedeu Interpretação conforme a Constituição da República, aos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF e 114, caput, in fine e parágrafo 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias exclusivamente em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19. Referidos artigos da LRF estipulam regras relacionadas a: a) concessão ou ampliação de incentivo tributário e renúncia de receitas; b) criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa; c) aumento de despesas de caráter continuado; e d) criação, majoração e extensão de benefício relativo à seguridade social. Em sua decisão, o ministro destacou que a interpretação da LRF conforme a Constituição não se aplica apenas à União, mas alcança todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19. O resumo da história é que o bom senso deve prevalecer. Em tempos de pandemia, o equilíbrio fiscal perde protagonismo diante da urgência em proteger vidas humanas. Todavia, a calamidade pública jamais pode ser pretexto para violar os princípios gerais da administração pública – legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade (transparência) e eficiência – ou aqueles vinculados à gestão dos recursos públicos – legalidade, legitimidade e economicidade. Como muitos de nós, após a quarentena imposta pelo coronavírus, a LRF ressurgirá em sua plenitude e a prudência fiscal e o equilíbrio orçamentário serão importantes bússolas para a recuperação econômica e social do país.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.  

EMERGÊNCIA, CALAMIDADE E CONTAS PÚBLICAS, por Luiz Henrique Lima

  No livro Justiça, o professor Michael Sandel, da Universidade de Harvard, comenta, a propósito da tragédia decorrente do furacão Charley que atingiu a Flórida em 2004, dois tipos de comportamentos humanos: os oportunistas e gananciosos que aproveitaram a escassez de determinados bens para vende-los por preços abusivos, e os solidários e altruístas que tiveram a atitude inversa. Diante da situação de gravíssima emergência sanitária provocada pela pandemia do vírus COVID-19, inúmeras dúvidas surgem quanto a uma possível futura responsabilização de gestores públicos por atos excepcionais praticados durante esse período, especialmente no que concerne às despesas públicas. Como estamos perante um episódio de gravidade inédita no país, há muita perplexidade e dúvidas. Em situações extremas, aflora o que há de melhor no ser humano, como a compaixão e a solidariedade, mas também o pior, como a ganância, o egoísmo e a ambição de dinheiro e de poder. Já houve em nosso país gestores criminosos que se aproveitaram de tragédias para enriquecer ilicitamente, como no caso de desabamentos de encostas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Uma boa notícia para os gestores bem intencionados é que existe previsão legal que orienta a administração pública como agir em casos de emergência. O artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF estabelece que na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, para a União, ou pelas Assembleias Legislativas, para Estados e Municípios, serão suspensas, enquanto perdurar a situação, a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos artigos 23  e 31, ou seja, a recondução da despesa total com pessoal e da dívida consolidada aos limites legais. Ademais, em caso de crescimento real baixo ou negativo do Produto Interno Bruto (PIB) por período igual ou superior a quatro trimestres, tais prazos serão duplicados (artigo 66). Nas mesmas condições de calamidade pública, o inciso II do artigo 65 prevê que serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais previstos na lei de diretrizes orçamentárias e a limitação de empenho e movimentação financeira prevista no art. 9º para a hipótese de frustração de receita. Nesta semana, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 88/2020 que reconhece o estado de calamidade pública para os fins da LRF. Embora o texto mencione apenas a União, entendo que, como a situação de calamidade se estende a todo o país, estados e municípios também são alcançados pela excepcionalidade. Quanto à Lei de Licitações, há expressa permissão para a dispensa de licitação nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 dias, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos (artigo 24, IV da Lei 8.666/1993). Observo que as despesas decorrentes da dispensa emergencial devem ser formalizadas nos termos do parágrafo único do artigo 26 da lei. No que respeita ao aspecto orçamentário, os artigos 41, III e 44 da Lei 4.320/1964 preveem a possibilidade de abertura de créditos adicionais extraordinários destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública. Essa situação é a única que excepciona a prévia aprovação legislativa e pode ser feita mediante decreto do Poder Executivo, do qual deve ser dado imediato conhecimento ao Legislativo. Na esfera federal, isso já foi feito pela Medida Provisória 924/2020. Desta forma, o gestor público sinceramente dedicado a adotar todas as medidas ao seu alcance para enfrentar a pandemia do COVID-19 possui seguro respaldo legal e jurisprudencial para agir.     Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

Um cargo quase desconhecido. (Autor: Luiz Henrique Lima)

  Recentemente, por indicação de um amigo, li o livro “Os Onze”, dos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, que relata bastidores da atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do Mensalão aos dias atuais. A leitura é agradável e a recomendo aos que se interessam em acompanhar a nossa vida pública. Numa passagem, é mencionada a obra do ex-ministro Aliomar Baleeiro que se referia ao Supremo como “o outro desconhecido”, registrando que àquela época o STF raramente era objeto de atenção da imprensa. A referência me recordou que o cargo que exerço, de Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas, também é objeto de grande desconhecimento. Só que, ao contrário daquele STF, esse desconhecimento tem se propagado por meio de inúmeras declarações e comentários públicos que terminam por desinformar as pessoas. Nosso cargo é centenário, tem natureza constitucional e exerce atribuições de judicatura. Exige prévia aprovação em concurso de provas e títulos, além de requisitos como formação acadêmica, experiência profissional e ficha limpa, ou seja, idoneidade moral e reputação ilibada comprovadas por um sem-número de certidões da Justiça Federal, Estadual, Militar etc. É centenário porque foi criado, no âmbito do TCU, em 1918, pela Lei 3.454. Recebeu o nome de Auditor do Tribunal de Contas, conforme a tradição da época, nomenclatura que foi mantida na Constituição de 1988. Como, nas últimas décadas, multiplicaram-se outros cargos como “auditor fiscal”, “auditor previdenciário” ou “auditor de controle”, a legislação federal hoje utiliza também a forma de Ministro Substituto e nos estados Conselheiro Substituto. Assim, o Auditor, cargo constitucional, não se confunde com os demais auditores, relevantes carreiras de Estado, responsáveis pelos trabalhos de fiscalização. Desde a sua gênese, os Ministros e Conselheiros Substitutos exercem atribuições de judicatura, isto é, presidem a instrução dos processos de controle externo, adotando diversas espécies de decisões monocráticas acerca da admissibilidade ou não de processos, notificações e citações de gestores e responsáveis pela aplicação de recursos públicos e emitindo julgamentos singulares e medidas cautelares. Além disso, também há mais de um século, os Substitutos são convocados a substituir os titulares nos órgãos colegiados, quando de sua ausência, por qualquer motivo, ou vacância, nos casos de morte, aposentadoria ou renúncia.   “Mesmo em parte desconhecidos ou incompreendidos, os Ministros e Conselheiros Substitutos têm realizado um importante trabalho em prol de MT e do Brasil” Luiz Henrique Lima   Aí reside uma primeira confusão: os Substitutos substituem, mas não são reservas. Não é como no futebol que o reserva fica sentado no banco vendo o jogo e aguardando a oportunidade de entrar em campo, em caso de contusão ou necessidade tática. Enquanto não estão substituindo nos órgãos colegiados, os Substitutos trabalham normalmente presidindo e relatando milhares de processos de sua responsabilidade direta. Quando convocados, seu trabalho duplica. Outra confusão muito comum é imaginar que os Substitutos são de alguma maneira subordinados aos Ministros e Conselheiros titulares. Tribunal não é quartel em que o soldado bate continência ao cabo e assim por diante. Não há hierarquia nenhuma entre substitutos e titulares, apenas atribuições diferentes. Da mesma forma que o juiz de direito não é subordinado ao desembargador e o promotor não é subordinado ao procurador de justiça. Isso, aliás, está muito claro na própria Constituição. Tanto é assim que, quando convocado, o voto do Substituto no Pleno tem o mesmo peso do voto do titular. Outro dia, numa das declarações mais infelizes dos últimos tempos, afirmou-se que os titulares seriam como médicos habilitados a tratar dos gestores e os Substitutos não passariam de enfermeiras, qualificadas apenas para cuidados ambulatoriais. Sandice completa. Primeiro porque ignora e desmerece o papel da enfermagem. Segundo, porque desconsidera que os Substitutos precisam ser aprovados em dificílimos concursos públicos, com provas objetivas, discursivas, orais e de títulos em múltiplas disciplinas jurídicas, econômicas, contábeis e de administração pública, não sendo razoável atribuir-lhes uma qualificação técnica insuficiente ou limitada para o exercício de suas funções no controle externo. Mesmo em parte desconhecidos ou incompreendidos, os Ministros e Conselheiros Substitutos têm realizado um importante trabalho em prol de MT e do Brasil. Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT. E-mail: luizhlima@tce.mt.gov.br

Controlar (também) é contrariar

  por Luiz Henrique Lima   Sucumbe a perigosa ilusão aquele que, investido de função controladora, almeja granjear simpatias ou multiplicar popularidade. Não poderá fazê-lo senão com o sacrifício de sua missão. Controlar é contrariar. É um fato. Feliz ou infelizmente, praticamente nenhuma deliberação adotada no âmbito de uma Corte de Contas deixa de desagradar a algum interessado. Haverá quem reclame que tal decisão foi branda demais; outros dirão que aquela foi rigorosa em excesso. Dependendo dos interesses das partes, é possível que todas elas fiquem pelo menos um pouco insatisfeitas. Digam o que quiserem: a realidade é que ninguém gosta de ser controlado, principalmente se for por um órgão com maior grau de independência política e capacidade técnica. A história registra inúmeros exemplos daqueles que, na oposição, exaltavam a necessidade de maior controle e, uma vez no poder, passaram a reclamar de seus excessos. Controle bom é sempre o controle exercido sobre os outros, nunca sobre si mesmo. O certo é que não existem dias fáceis no Tribunal de Contas. Não existem processos secundários ou sem importância tramitando no TCE. Rotineiros, muitos; simples, alguns; mas, todos importantes, pelo menos para aquelas pessoas ou entidades interessadas. Em 2018, o TCE MT contrariou a muitos. Foi bastante criticado, tanto publicamente e na imprensa, como em círculos restritos. Alguns julgamentos mais marcantes foram desaprovados por gestores, ex-gestores, parlamentares, empresários, advogados e sindicalistas, entre outros. Não foram poucos os inconformados com rejeições de contas, aplicações de multas e outras penalidades, determinações cautelares e, até mesmo, orientações e recomendações de mudanças de procedimentos na gestão de políticas públicas. Bom sinal. Se tivesse passado em branco, sem despertar discordâncias ou reclamações, certamente o TCE não teria cumprido sua missão institucional. Com efeito, como há quatro séculos lecionou o padre Antonio Vieira no Sermão da Primeira Dominga do Advento, a omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece e, por isso, é o mais perigoso de todos os pecados. Para nós que atuamos no serviço público, a omissão, embora muitas vezes desapercebida e impune, é a pior espécie de traição contra os nossos patrões, os cidadãos mato-grossenses. Por serem esperadas, as críticas às nossas decisões são bem-vindas e devem ser recebidas com naturalidade e humildade. Se bem fundamentadas, devem ser analisadas e inspirar revisões de entendimentos ou aprimoramento jurisprudencial. Nenhum julgador pode ter a pretensão de nunca errar. Todo magistrado tem que estar disposto a, todos os dias, estudar, aprender e evoluir. Ouvir com atenção os interessados e dialogar sinceramente com a sociedade são ingredientes essenciais na ação de um órgão de controle. Buscar construir consensos, compreender a complexidade de situações concretas e promover a modulação de efeitos são atitudes maduras e recomendáveis para se alcançar decisões justas e soluções factíveis. Porém, jamais um controlador pode aspirar a unânimes e calorosos aplausos. Se o fizer, será um pusilânime, um tolo, um incapaz. Contemporizar, protelar e tergiversar são verbos que expressam a negação do controle como instrumento da cidadania, essencial ao regime democrático. Afinal de contas, controlar também é contrariar, sempre que necessário. Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.