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Exame de Constitucionalidade em Arbitragem Pública e Second Look Doctrine
Alexandre Manir Figueiredo Sarquis. Doutorando em Direito Financeiro na USP. Professor de Direito Administrativo da Fipecafi. Conselheiro-Substituto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Originalmente publicado na coluna do Professor Gustavo Justino de Oliveira no Consultor Jurídico: https://www.conjur.com.br/2024-abr-21/exame-de-constitucionalidade-em-arbitragem-publica-e-second-look-doctrine/ Há uma série de motivos pelos quais os procedimentos arbitrais em que a Administração Pública figure como parte são especiais e diversos, merecendo considerações e cuidados específicos. O que se tem de mais óbvio desde logo consta da Lei de Arbitragem: i) somente se deduzem direitos patrimoniais disponíveis; ii) a arbitragem será sempre de direito; iii) respeita-se o princípio da publicidade. Outras considerações decorrem dessas, por exemplo: i) o foro nacional, tendo em vista a prorrogação da norma de eleição, consoante art. 92, §1º da Lei 14133/2021[1]; ii) o uso da legislação brasileira; e iii) o uso da língua nacional, consoante art. 11, III da Lei das PPPs, art. 23 da Lei das Concessões, entre outras normas. Produção de Provas Todas essas peculiaridades se projetam e se desdobram em aspectos importantes do procedimento arbitral, tal qual na colheita da prova e na nomeação de peritos. Tendo em vista a arbitragem de direito, todas as provas admissíveis em juízo poderiam se cogitar em procedimento arbitral, e, no que toca a escolha de peritos, exige-se critérios rigorosos de imparcialidade e independência. Quanto aos peritos, embora não mencionados literalmente, é de se aproximar o que consta do art. 154 da Lei 14133/2021. Art. 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes. Lei 14133/2021 Sob o aspecto do acesso à informação, acaso a Administração Pública tome parte no procedimento, pode surgir a questão do acesso à informação, consoante a Lei 12527/2011. As partes podem necessitar da produção de documentos ou dados mantidos pela Administração Pública no intuito de subsidiar reivindicações ou de refutar alegações da própria Administração, sem que a essa se reconheça o direito de manejar eficazmente argumentos de privilégio, confidencialidade ou estratégia jurídica. Tal prerrogativa também exsurge do direito de certidão que aparece ao art. 5º, XXXIV, “b” da Constituição Federal de 1988 (são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas […] a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal). A garantia se encontra em meio aos Direitos Fundamentais, constituindo, portanto, questão de ordem pública, inafastável por disposição regimental da entidade promotora. Regime Financeiro do Procedimento Arbitral É notório que o procedimento pode se mostrar dispendioso, por exemplo, com as custas da perícia, especialmente em disputas complexas. As regras de resolução da disputa devem acomodar tais questões com a justa distribuição de ônus pecuniários, mas fazendo-o de forma a evitar posteriores medidas antiarbitragem, ao mesmo tempo que respeitando as normas de direito financeiro, tal como a existência de dotação no orçamento, prévio empenhamento e liquidação como etapas antecedentes. Exame Arbitral de Constitucionalidade A questão que anima esta breve análise, entretanto, é uma que incorretamente é apontada como especial dos procedimentos com a administração pública, embora realmente possa tomar contornos mais acentuados. Em arbitragens públicas é possível que os árbitros realizem o controle incidental de constitucionalidade de leis. Essa é uma assertiva que não se levanta displicentemente, pois, segundo ensinam OLIVEIRA e ESTEFAM (2019, p. 138), “admitir tal controle implicaria colocar à apreciação dos árbitros o fundamento jurídico imediato de validade de toda e qualquer conduta administrativa: a lei formal”. Dúvidas de mesma ordem figuram nos procedimentos do âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Federais – CARF[2] e naqueles do juízo corregedor em sede de dúvida registrária[3]. Frequentemente nessas instâncias o desfecho é pela impossibilidade de investigação da constitucionalidade da norma posta. Perceba que essas conclusões se dão a despeito de tais decisões estarem recobertas por oficialidade ainda maior do que na arbitragem, a último delas sendo emitida por Juiz de Direito após oitiva do Ministério Público. Pondero, entretanto, que as arbitragens com a Administração Pública são de direito (art. 2º, §3º da Lei de Arbitragem) e que o painel é juiz de fato e de direito da causa submetida à arbitragem (art. 18 da Lei de Arbitragem). Tais nortes a caracterizam com inquestionável natureza jurisdicional. Parece claro que proibir o argumento de inconstitucionalidade de dispositivo legal acarreta cerceamento do próprio juízo, incompatível, portanto, com a heterocomposição pretendida. Acaso surgisse antinomia de dispositivos diversos, seria ônus naturalmente imposto ao juízo indicar qual deles seria enfim aplicável, agitando os conhecidos postulados de resolução de conflito aparente. Em sendo apontada colisão entre dispositivo legal e dispositivo constitucional, é de todo sensato que o segundo sobrepuje o primeiro, enfim prevalecendo nas razões de convicção que motivarem a decisão adotada. Se, contudo, é desde logo anunciado que ao árbitro resta defeso conjecturar inconstitucionalidade de ato normativo, estaríamos em definitivo cravando a prevalência do dispositivo menor, ignorando o argumento de que o outro é maior, invertendo nosso sistema jurídico e menosprezando a máxima efetividade da Constituição. Exame de Constitucionalidade em Procedimento Privado Veja que não é estranha a ideia de que a norma constitucional é dotada de eficácia lateral, aparecendo mesmo em meio a contendas exclusivamente privadas. É assim tanto no Brasil, em que a teoria é referida como “eficácia horizontal”[4], quanto externamente, como ocorre na teoria do “state action” norte-americano. A court decision resolving a private legal dispute is state action. Police action in the enforcement of a private interest is state action. State action is broadly found in many businesses or organizations which are substantially private in nature but have some public concern connected with them. Indeed, all rights of private property and of contract are based upon state law. So the enforcement of these laws is state action.[5] Calha relembrar também o TEMA 893 do repertório do STJ, em que aquela Corte ombreou Tribunais de Justiça e Tribunais Arbitrais, referendando nossa conclusão de que a atividade profissional de um é substancialmente idêntica à do outro. A atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional, o que torna… Read more »
Importante artigo publicado, na Revista In Verbis , pelo advogado Francesco Marino sobre o regime jurídico do cargo de Ministro e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas.
A equiparação de vencimentos, vantagens, prerrogativas, garantias e impedimentos entre o cargo de Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União e o de Desembargador Federal. Observância obrigatória pelos Estados-membros. Introdução: Este artigo tem por objetivo se concentrar em uma das incertezas de atuação dos Tribunais de Contas, que é justamente a diferenciação entre as funções e regimes jurídicos dos ocupantes de cargos públicos que atuam neste importante órgão de controle externo, dando-se destaque para os Substitutos, os quais, dentre outras funções, substituem Ministros e Conselheiros titulares. Alguns desses cargos possuem expressa previsão constitucional. Este é o caso dos seus membros (Ministros e Ministros-Substitutos no âmbito do Tribunal de Contas da União – TCU, bem como Conselheiros e Conselheiros-Substitutos na esfera estadual, qual seja: dos Tribunais de Contas dos diversos Estados-membros – TCE e do Distrito Federal). Também é o caso dos membros que atuam perante o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. Por outro lado, há um corpo de servidores efetivos, que atuam em conformidade com o regramento jurídico constitucional (art’s 39 a 41) e legal (estatuto jurídico dos servidores públicos, que possui peculiaridades a depender de cada esfera federativa: federal, estadual, distrital e municipal). Distinção entre as funções dos exercentes de cargos nos Tribunais de Contas: O cargo de Ministro do TCU possui previsão expressa no artigo 73 e parágrafos da Constituição da República. Há requisitos para a nomeação de seus ocupantes e formas de escolha.[1] Destaca-se, ademais, o regime jurídico a que se sujeitam os seus integrantes, o qual, de acordo com o parágrafo 3º do referido dispositivo dispõe que “os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça”. Logo, o regime jurídico é o mesmo daquele previsto para os membros do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Daí porque também são chamados ou conhecidos como “Magistrados de Contas”. Da mesma forma que os Ministros do TCU, os Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais, por força do princípio da simetria previsto no artigo 75 da Constituição da República, possuem equiparação aos Desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça estaduais. Com relação aos membros que atuam nos Ministérios Públicos junto aos Tribunais de Contas, por força do artigo 130 da Constituição Federal, são assegurados os mesmos direitos, vedações e forma de investidura que os demais membros do Ministério Público comum, seja federal, seja estadual. Já o cargo de Ministro-Substituto do TCU encontra previsão no parágrafo 4° do artigo 73 da Lei Maior, verbis: “o auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.” Inicialmente, é cabível uma crítica à nomenclatura adotada pela Constituição Federal de 1988, ao tratar o cargo de Ministro-Substituto como “Auditor”, assim como fez com o cargo de Desembargador Federal, ao qual denomina “Juiz” do Tribunal Regional Federal. Crítica idêntica se faz aos Estados-membros, eis que o nomen iuris mais adequado ao cargo seria o de Conselheiro-Substituto, e não o de Auditor. Deve-se enfatizar que o cargo de Ministro-Substituto do TCU detém ossatura constitucional, sendo indispensável a sua atuação para o bom funcionamento daquele órgão. Nesse sentido, é válido citar trecho do excepcional voto proferido pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmén Lúcia, quando do julgamento da ADI 4.541/BA: “18. O cargo de auditor, antes relegado à disciplina infraconstitucional, foi alçado ao plano constitucional. O tratamento legal e regimental então existente foi aproveitado pelo constituinte originário, que reconheceu e ampliou a importância do cargo de auditor, atribuindo-lhe, por disposição constitucional expressa, a substituição de Ministros e a prática de atos inerentes à judicatura, conferindo-lhe garantias e prerrogativas próprias da magistratura e permitindo-lhe a ascensão ao cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União. Trata-se, pois, de cargo de natureza especial, distinto dos demais cargos que compõem a estrutura administrativa do Tribunal de Contas da União e que passou a dispor de tratamento constitucional específico.” Em primeiro lugar, destaca-se a distinção entre os cargos de Ministro-Substituto, denominado pelo Constituinte como “Auditor”, e os cargos que compõem a estrutura administrativa do TCU. Explica-se. Em geral, é comum encontrar, nas leis e atos normativos que regulamentam a estrutura administrativa – tanto do Tribunal de Contas da União como dos Tribunais de Contas estaduais – o cargo de “Auditor de Controle Externo”, que não se assemelha – ou se equipara – ao cargo de “Ministro-Substituto” ou “Conselheiro-Substituto”.[2] O cargo de “Auditor de Controle Externo” se submete ao regime jurídico restrito aos servidores públicos, previsto nos artigos 37 e seguintes da Constituição da República. Já o cargo de “Auditor” (leia-se “Ministro-Substituto” e “Conselheiro-Substituto”) possui previsão expressa no parágrafo 4º do artigo 73 da nossa Lei Maior, com regime jurídico equiparável ao de Juiz de Tribunal Regional Federal (para o cargo de Ministro-Substituto do TCU) ou equiparável ao juiz de direito da mais alta entrância do Tribunal de Justiça respectivo (para o cargo de Conselheiro-Substituto dos Tribunais de Contas estaduais e distrital).[3] Em segundo lugar, chama a atenção que, além da equiparação das garantias e impedimentos do Ministro-Substituto do TCU a Desembargador Federal, como já mencionado acima, o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o artigo 73, §4º, da Constituição Federal conferiu interpretação no sentido de que o referido cargo de Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União detém idênticas prerrogativas da magistratura. Equiparação de regimes jurídicos: Fato outro que se mostra importante trazer à colação é a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal quanto à equiparação de vantagens e de vencimentos do Ministro-Substituto do TCU ao mesmo regime aplicável ao cargo de Desembargador Federal. O Procurador-Geral da República ajuizou diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI´s, objetivando afastar a equiparação de vencimentos e vantagens de Ministros-Substitutos do Tribunal de Contas da União e de Conselheiros-Substitutos dos estados aos membros da magistratura. Tais ações não prosperaram, uma vez que a interpretação conferida ao artigo 73, §4º, da Lei Maior foi, justamente,… Read more »