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IDEB no Brasil: precisamos melhorar muito – por Luiz Henrique Lima

A divulgação nesta semana dos resultados do IDEB-2023 trouxe grande alvoroço. Autoridades e políticos não pouparam declarações, ora para exaltar seus próprios feitos, ora para criticar os seus rivais. Ainda bem! Isso é ótimo. Considero um sinal de evolução e amadurecimento democrático o fato de os resultados de um indicador objetivo da educação merecerem a atenção das nossas lideranças e alcançarem protagonismo nos debates sobre o desempenho das políticas públicas. Dito isso, observa-se que existem três diferentes maneiras de apresentar os resultados do IDEB e uma análise mais completa requer que sejam consideradas no seu conjunto. A primeira forma é expor as notas pelo seu valor absoluto e compará-las com as metas que se pretendia alcançar. A segunda é verificar a evolução histórica das notas ao longo das diversas edições do IDEB. Há evolução, estagnação ou piora? Qual a tendência? O ritmo é lento ou acelerado? Finalmente, a terceira possibilidade é o ranqueamento das notas entre os estados e municípios. Quem está na frente, quem ficou para trás? Minha cidade ou estado “subiu no pódio” ou está “ameaçado de rebaixamento”? Reforço que a melhor análise é a que leva em conta todos esses aspectos, pois, por exemplo, pouco adianta um município ser o mais bem colocado na sua região, mas a sua nota ter regredido em relação à avaliação anterior ou ter se distanciado da meta. Nesse caso, teria ocorrido uma melhora na posição relativa, mas uma piora efetiva na qualidade educacional. Vejamos o que nos revela o IDEB-2023. Em todo o país só foi atingida a meta dos anos iniciais do ensino fundamental. Nos anos finais e no ensino médio, ficamos 0,5 e 0,9 abaixo da meta, respectivamente. Somente dois estados superaram a sua meta específica (GO e PI), além de um que a igualou (PE); os demais não lograram êxito. A nível nacional, tanto em português como em matemática, em relação a 2019 as notas pioraram para todos os grupos (anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio). Alguns dados surpreendem, indicando que os resultados educacionais não estão automaticamente relacionados ao PIB ou mesmo ao IDH. Dos dezenove municípios com notas superiores a 7,0 ao final do ensino fundamental, dezoito estão na Região Nordeste. Por outro lado, RS, SC, DF e RJ apresentam alguns dos piores resultados estaduais, em termos relativos e em relação às respectivas metas. Em síntese, apesar de alguns avanços pontuais que merecem elogios, ainda estamos muito distantes do desejável e mesmo do possível. Afinal, se municípios pequenos e pobres, distantes das capitais, conseguem bons resultados, o que explica as notas medíocres ou ruins da grande maioria? Os resultados do IDEB devem ser objeto de minucioso estudo e de amplos debates, com a participação de gestores, especialistas, professores e dos milhares de conselhos de educação e de cada escola. Conhecer o que funciona na aprendizagem e disseminar e multiplicar as melhores práticas é um imperativo prioritário e urgente para que todos os brasileiros tenham uma educação de qualidade.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT e professor.

Ponto de reflexão: meta de resultado primário superavitário para entes com finanças saudáveis – por Omar Pires Dias

Notícias relacionadas à situação das contas públicas, especialmente na esfera federal, rotineiramente são divulgadas. Que as metas de resultados fiscais têm déficit recorde, o que torna a meta fiscal do ano, de tantos bilhões de reais, quase impossível. Que, novamente, o governo gastou mais do que arrecadou, levando o setor público a um déficit primário da cifra de bilhões. Não precisa ser analista de economia para perceber que as previsões de alcance da meta de resultado primário, prometidas pelo governo, quase sempre não são alcançadas. Decerto deriva de fatores como: falhas de planejamento, baixa arrecadação, surgimento de novas despesas obrigatórias ou mesmo fatos imprevisíveis que oneram o orçamento primitivo, dentre outros. Estamos falando em elaboração e execução orçamentária dos entes federados, com a incorporação das metas fiscais, em plena égide da Lei de Responsabilidade Fiscal, que surgiu no mundo jurídico em 4 de maio de 2000, elegendo o controle do endividamento público como um dos principais focos de uma gestão fiscalmente responsável. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) tornou obrigatório o controle dos gastos dos entes federados, basicamente condicionando-os à capacidade de suas arrecadações. Logo no seu preâmbulo (art. 1º, §1º) consta que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. É patente que havia uma total desordem das finanças dos entes nacional e subnacionais, com déficits imoderados e reiterados, levando o legislador infraconstitucional a adotar tal medida, no sentido de dar um basta aos constantes desequilíbrios das contas públicas, causa principal do aumento do endividamento. A partir de então, a União, os estados (incluindo o DF) e os municípios foram obrigados a implementarem uma nova roupagem aos seus planejamentos, posto que passou a integrar a Lei de Diretrizes Orçamentárias o Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes (LRF, art. 4º, §1º). Não bastasse o estabelecimento das metas de resultados fiscal, também se exige esforços para atingir tais objetivos, ainda que os entes tenham que contingenciar seus orçamentos, com limitação de empenhos e movimentação financeira (art. 9º). O déficit público ocorre quando o governo gasta mais do que arrecada. Para cobri-lo, como acontece na esfera federal, o governo recorre ao mercado financeiro, tanto mediante a emissão de títulos públicos, como por meio de empréstimos. Consequentemente, há o aumento da dívida pública. A dívida é onerada pelos seus encargos – os juros, que poderão torná-la uma bola de neve, caso ao menos esses juros não forem pagos regularmente. A busca do equilíbrio das contas públicas e até mesmo a redução da dívida, exige esforço fiscal. Por um lado, o Estado precisa gastar menos e com eficiência. Por outro, precisa arrecadar mais. Feita a fixação das metas fiscais, durante a execução orçamentária, devem ser publicados os relatórios (RREO e RGF) bimestralmente e quadrimestralmente (arts. 52 e 54), visando mostrar o cumprimento das metas fiscais e limites de despesas, e favorecer a tomada de providência (limitação de empenho), caso haja a possibilidade de não atingimento dessas metas e limites no período levantado. Por obrigação imposta pela LRF (art.59) e pelos próprios tribunais de contas, os relatórios fiscais são por estes analisados. Ao menos nas análises das metas fiscais dos municípios no âmbito do TCERO, o que se percebe é um total descompasso entre as metas estabelecidas de resultados primário e nominal e as que efetivamente foram realizadas. Nas últimas contas anuais dos 52 municípios analisadas pelo TCERO, um tanto acima de 70% não atingiu as metas de resultados primário e nominal. Percebe-se nessas contas que a maioria dos municípios não tinha sequer necessidade de fazer previsão de resultado primário superavitário, porquanto o endividamento era baixíssimo ou inexistente. Revelando ausência de um planejamento condizente, dentro da realidade fiscal. Segundo a STN, o principal parâmetro para a previsão do resultado primário, quando da elaboração do AMF, é o endividamento (Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF,14ª edição – 2023, p. 245). No que lhe cabe, o TCERO sempre manteve firme a exigência aos seus jurisdicionados de um eficiente planejamento das metas fiscais e consequente atingimento de resultados. Para esse propósito, tem disponibilizado capacitações específicas com renomados professores. A despeito disso, é notória a complexidade do planejamento fiscal para municípios que não possuem uma estrutura técnica razoável. Conforme a STN, o reconhecimento do cenário macroeconômico é essencial para o planejamento dos itens das metas fiscais, exigindo pesquisa aprofundada para identificar e utilizar as principais variáveis exemplificadas, como o PIB real (crescimento % anual), taxa real de juro implícito sobre a dívida líquida do Governo (média % anual), câmbio (R$/US$ – final do ano), inflação média (% anual) projetada e projeção do PIB do ente. Somente após a ponderação das variáveis econômicas, deve ser iniciado o processo de planejamento das metas de acordo com a política fiscal do ente (Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF, 14ª edição – 2023, p. 73. Sem sombra de dúvida, é uma tarefa demasiadamente difícil para municípios pequenos cumprirem todo esse rito. A par dessa carência, o TCERO evolui na forma de apontar a falha pelo não atingimento das metas fiscais de resultado primário e nominal dos municípios rondonienses. Se antes usava de uma maior rigidez ao chamar a responsabilidade os gestores, agora opta por mitigar a irregularidade, sem prejuízo das necessárias recomendações de melhoria. A título de exemplo, na sua fundamentação, o Conselheiro Edilson Silva, relator das últimas contas dos municípios de Buritis e Machadinho do Oeste, pondera que, sendo… Read more »

Ciência, tecnologia e inovação – por Luiz Henrique Lima

Para uma pessoa comum, soa óbvio dizer que o desenvolvimento de um país, nas suas múltiplas vertentes – econômica, social, ambiental etc. – depende de investimento permanente e significativo em ciência, tecnologia e inovação. Trata-se de uma política de estado, cujos resultados influenciam o desempenho de todas as demais políticas públicas, como educação, saúde,  defesa nacional e infraestrutura, bem como a evolução de todas as atividades econômicas: agronegócio, turismo, energia, finanças e assim por diante. É, portanto, com muita expectativa que se aguarda a realização, na última semana de julho, em Brasília, da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Tal expectativa é ainda maior porque o encontro anterior ocorreu no longínquo ano de 2010. Isso mesmo! Em pleno século XXI, num mundo em acelerada revolução científico-tecnológica, vários governos brasileiros começaram e terminaram sem dedicar a devida atenção ao tema! O Brasil conta com uma legislação que dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação (Lei 13.243/2016), outra que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo (Lei 10.973/2004), bem como a que institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei complementar 182/2021). Conta também com instituições que financiam investimentos e pesquisas como a Finep federal e as diversas Fundações de Amparo à pesquisa no âmbito dos estados, além de recursos orçamentários no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e diversos Fundos Setoriais. Há todo um ecossistema de Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação, parques tecnológicos, centros de pesquisa, incubadoras de empresas etc. Finalmente, nosso país conta com capital intelectual e dezenas de milhares de criadores e pesquisadores atuando em instituições públicas e privadas, com destaque para as universidades públicas, a Embrapa, o IMPA, o INPE e a Fundação Osvaldo Cruz. Assim, dispomos de boas condições para um muito melhor desempenho no desenvolvimento científico e tecnológico. Porém, é necessário e imprescindível que esta seja, mais que uma prioridade, uma saudável obsessão permanente dos governos e da sociedade. Trata-se na realidade do investimento com potencial de mais alto retorno em produtividade, sustentabilidade, governança e equidade, exatamente o que o Brasil necessita. Que essa Conferência possa ser bem-sucedida e trazer bons frutos para o futuro!   Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT e professor.

Quem matou o Pantanal? – por Luiz Henrique Lima

Quem matou o Pantanal? Essa é uma pergunta que será feita pelos nossos netos e bisnetos ao assistirem documentários sobre o que foi um dos mais belos biomas do planeta, rico em biodiversidade e absolutamente encantador para os que amam a natureza, a flora, os animais. Quem matou? Por que o fizeram? Como permitiram? Imagino a incredulidade, a revolta, a decepção e a tristeza das gerações vindouras, privadas de conhecer, visitar e viver nesse que foi um dos maiores patrimônios naturais que o homem destruiu. A resposta à pergunta talvez encontre paralelo numa das obras mais conhecidas da escritora inglesa Agatha Christie, talvez a mais lida de todos os autores de romances policiais. Trata-se de O Assassinato no Expresso do Oriente, livro de 1934 que mereceu várias adaptações para o cinema e que é considerado um verdadeiro clássico pela engenhosidade e sutileza da trama. Sem querer estragar a surpresa para um futuro leitor, uma das soluções apresentadas pelo detetive Hercule Poirot foi a de que todos os personagens eram suspeitos e todos os suspeitos eram culpados. É muito tentador encontrar um único culpado para a morte do Pantanal. Alguém com fisionomia de vilão e mente de psicopata como o ecocida que despejou de avião toneladas de veneno sobre milhares de hectares. É relativamente simples atribuir o agonizar do ecossistema a uma causa genérica, imperceptível e inimputável como “mudanças climáticas globais”. No entanto, tais respostas, embora parcialmente corretas, são apenas uma fração da verdade. Há uma pluralidade de razões e uma coletividade de culpados, por ações e omissões. Retornando à literatura, recordei-me de Hemingway que, na sua obra sobre a guerra civil espanhola, sentenciou: “Não perguntes por quem dobram os sinos; eles dobram por ti”. Não pergunte quem matou o Pantanal. Quem matou o Pantanal fomos nós. Fomos nós os que ateamos fogos para acelerar o desmate. Fomos nós os que substituímos as pastagens naturais. Fomos nós os que não investimos em saneamento nas cidades das bacias hidrográficas que alimentam o Pantanal. Fomos nós os que “flexibilizamos” a legislação ambiental e licenciamos garimpos e usinas hidrelétricas no entorno e no interior do bioma. Fomos nós os fascinados pelo discurso do crescimento econômico a qualquer custo. Fomos nós os que nos omitimos diante do desmonte dos órgãos ambientais e das unidades de conservação que só existem no papel. Fomos nós os que ignoramos os alertas de cientistas e ambientalistas. Fomos nós os que adiamos providências e medidas preventivas. Fomos nós os que discursamos em favor da transição energética e continuamos subsidiando termelétricas a carvão e planejando megainvestimentos em jazidas de combustível fóssil. Fomos nós os cidadãos que elegemos bancadas do boi, mas somos incapazes de eleger bancadas do bio. Somos nós os que devemos pedir perdão ao Pantanal e aos nossos netos e bisnetos.   Luiz Henrique Lima é Conselheiro certificado e professor.